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sábado, 29 de outubro de 2011

TALAGADA RASTEJANTE.

SEE YOU LATER ALLIGATOR

Se jacaré que fica parado vira bolsa, como preceitua o dito popular, posso dizer que circulo bastante por aí, nos bares da cidade. Talvez até demais segundo alguns. Em minhas andanças vi um pouco de tudo, bares com nomes estranhíssimos, apenas com números, ou com trocadilhos imperdoáveis usando o nome do dono, nomes de péssimo gosto, nomes pretensiosos muito mais chiques do que o ambiente em si, inclusive bares com nome de animais. Nessa última categoria, destaco o Jacaré Grill (Rua Harmonia, 305). Pode não ser o melhor bar do mundo, da Vila Madalena e talvez nem da rua, mas quebra o galho.
A decoração é espartanamente despojada e confusa, ao contrário dos produtos da Lacoste que também fazem uso do citado réptil, mas ninguém vai lá por causa dela ou por causa de qualquer outra coisa que não seja comer razoavelmente bem e tomar a cervejinha gelada de cada dia. Aliás, no quesito comida de boteco o Jacaré até se destaca. Boas porções de grelhados aperitivo, costelinha de porco e de cordeiro, bife de tira, picanha e um hamburgão bem bacana. As cervejas estão sempre geladas. Experimente os baldes de gelo com quatro cervejas dentro. A relação custo benefício agradece.
O bar tem dois ambientes distintos. O lado de dentro e o lado de fora. Eu prefiro ficar fora quando o meu querido São Pedro desliga a torneira. É do lado de fora que logo se percebe que o boteco é um excelente lugar de paquera, se é que você tem mais de 35 (ou 45, ou 55) anos. Os tigrões motorizados vão todos lá, inclusive aqueles que tem motocicletas maiores do que uma unidade da cohab. As tigresas também aparecem, lógico. Tome muito cuidado. Elas não estão lá para brincadeiras e em rio que tem...você sabe o que...jacaré nada de costas!
No passado recente o Jacaré carregava a pecha de ser um importante ponto de tráfico de drogas. Reza a lenda que o usuário ligava para o bar antes, reservava a mesa e preso sob o tampo já encontrava o seu pacotinho de pó devidamente pesado e embalado. O preço vinha na conta, com um nome disfarçado. Eu nunca vi. Mas também nunca fui usuário de cocaína, sei lá. Preciso tomar cuidado para não caluniar ninguém!
Maradonices a parte o boteco é bem razoável, apesar de já ter dobrado o cabo de seus melhores dias. Já o serviço, ah o serviço....é bem fraquinho. Mas dá para perceber que alguns garçons se esforçam em sorrir amarelo.
Além das cervejas nacionais o bar tem boas cachaças. Com o caldinho de feijão (com torresminhos) ou a lingüiça calabresa com molho de maracujá elas descem extremamente bem. Melhor ainda se acompanhadas de um papo bem furado mesmo porque, convenhamos, ninguém vai a um bar para tentar resolver a crise econômica na Europa ou a fome na África. Até onde eu sei, as pessoas vão ao bar para beber cerveja e descontrair. Isso desde os tempos do velho bardo, William Shakespeare, que disse: “Daria toda a minha fama por uma caneca de cerveja e por segurança”! Rárárá...enquanto não temos nenhuma segurança o remédio é a cerveja!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

TALAGADA TEATRAL.

CACILDA!!!

Cacilda Becker, a grande atriz brasileira que morreu aos 48 anos, na flor de sua vida e de seu talento, mereceu nome de teatro. Ele fica aqui em São Paulo, no outrora simpático e acolhedor bairro da Lapa.
Na esquina em frente, pegando carona no nome do teatro, funciona há mais de dez anos o Bar Cacilda (Rua Tito, 237) o qual prima pela qualidade mas não pelo atendimento. Já deu pra perceber que uma vez mais vou exercer o saudável esporte de espinafrar um bar! Nesse caso não tem como ser diferente!
No começo, antes da reforma que aumentou o tamanho do bar consideravelmente, eu ia muito lá com minha namorada na época, hoje patroa oficial (não existem filiais). Ela morava no Alto da Lapa e o Cacilda era um bar próximo e aconchegante.
Recentemente estive lá com amigos e as coisas mudaram um pouco. O bar hoje padece do que é norma vigente em todos os bares da Lapa: fecha cedo demais e os funcionários e garçons desenvolveram técnicas infalíveis para enxotar os clientes: Mau humor, lentidão no atendimento e aquela cara típica que os garçons fazem quando acham que você é um estorvo e que precisa ser eliminado rapidamente.
Consigo pensar em muitos defeitos e problemas num bar. Garçons mal treinados, trabalhando de má vontade, é o pior de todos, disparado!
O triste é que o bar tem tudo para ser bacana. Fica numa esquina nostálgica e tranqüila, é bonito, é facilmente visível para quem trafega pela Rua Tito, as cervejas são boas e a cozinha também. O problema, repito, são os garçons que te tratam como se você estivesse em liberdade condicional.
Tá bom, tá bom, vamos falar das coisas boas. O ambiente interno é legal, com um salão bom e um mezanino perfeito para namorar. Os petiscos também, se não empolgam, não decepcionam. As bruschettas e a casquinha de frutos do mar são recomendáveis. Os pratos seguem na mesma linha e o cardápio é extenso, com destaque para as massas e os peixes. Pronto. Falei bem. Voltemos à carga!
O compositor Lobão, sim aquele, disse certa vez que "O garçom é o nosso psicólogo de plantão, nosso melhor amigo no final de uma noite de loucuras." Concordo com ele. Em muitos casos isso é verdadeiro. Conheço muitos bons garçons e tenho a maior simpatia pela classe, mas no caso do Cacilda o garçom é o psicopata de plantão, nosso pior inimigo que transforma o final da noite numa loucura. E digo isso porque, no meu caso, eles até retiraram a cadeira de uma amiga da mesa, quando ela foi ao banheiro. Inaceitável. Também acho terrível ser literalmente mandado embora de um bar! Se fosse 5 da manhã está certo, mas isso aconteceu por volta da meia-noite de uma sexta-feira!!!
Fico pensando que ou os proprietários da casa não tem conhecimento do que acontece, o que induz a uma certa negligência, ou pior, a orientação em ser o mais desagradável possível parte diretamente deles. Nesse caso recomendo aos proprietários que vendam o bar a alguém que realmente gosta de ter um bar e que não o tratam como um mero negócio, como uma maneira de fazer dinheiro, porque de donos de bar assim ninguém precisa, apesar de existirem tantos por aí. Com o dinheiro da venda do bar, que abram um asilo de velhinhos surdo-mudos, que fecha bem cedo e geralmente os fregueses não reclamam do péssimo tratamento.
Para terminar de destilar a rabujice gostaria de deixar claro que não me julgo no “direito” de ser bem tratado num bar. Não sou do tipo chato que reclama de tudo e gosta de espezinhar o próximo apenas porque está pagando. De fregueses assim também ninguém precisa. Mas é meu “interesse” que eu seja bem tratado e como já dizia Napoleão Bonaparte, “todo homem luta com mais bravura por seus interesses do que por seus direitos”. Uma vez que os meus interesses, tão básicos e comezinhos, não foram atendidos, só me resta evitar este bar, como de fato evitarei com todas as forças do meu coração!

sábado, 24 de setembro de 2011

TALAGADA SAUDOSA

BACANALDO E ANTIGUÉCIA

Gosto de bares que não enganam, bares de verdade, que não são caça-níqueis e que tem alma. Gosto enfim de bares bacanas. Quem não gosta?! Mais bacanas ainda se forem antigos, daqueles que já funcionam no piloto automático e adquiriram todo o “savoir faire” da noite paulistana. Daqueles, aliás, que esbanjam esse “savoir faire”. Só um dono extremamente incompetente, um néscio com MBA, é capaz de levar à bancarrota um estabelecimento comercial que dá certo há 17 anos! Ainda bem que não é este o caso do Barnaldo e Lucrécia (Rua Abílio Soares, 207). Na lida desde 1994 o simpático boteco tem motivos de sobra para continuar existindo. Primeiro porque é um bar cujo modelão é o dos bares dos anos 70 e 80, hoje raros na cidade. Segundo porque continua preocupado em oferecer sabores e sons genuinamente brasileiros, o que é mais raro ainda nesta terra de amantes do sertanejo universitário, da fast food e do hip hop (ou seria fast fod e hip hoop?).
O bar nasceu pelas mãos de um simpático casal de amigos (Arnaldo e Lucrécia, mais conhecida como Lú e tempos depois dona do Bar da Ló, nos Jardins) que tempos depois passou o boteco nos cobres. A decoração permanece a mesma, ou muito parecida com a do dia da inauguração, ou seja, é uma reprodução paulistana dos armazéns de secos e molhados do interior do Brasil. Pode ser do interior de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Paraná ou do Rio de Janeiro, porque o jeito é acolhedor, aconchegante, típico do Brasil de antanho.
O cardápio não foge à tipicidade da decoração. Petiscos brasileiros de estirpe inconfundível: pastéis (palmito, bacalhau, carne, queijo brie com damasco), caldinho de feijoada com torresmo, caldinho de mandioca, lingüiça dragão, mandioca frita com molho de carne moída (ui!), bolinhos de arroz, de queijo, de mandioca, bolinhos de feijoada (o que será isso meu Deus?!), sanduíches, filés aperitivo e saladas. Para entornar, cervejas (garrafas grandes) nacionais e sulamericanas, vinhos, whiskies e uma boa carta de cachaças e de caipirinhas (com destaque para as de morango com pimenta rosa e melancia com gengibre).
Nos dois andares do bar se ouve MPB ao vivo, no bom e velho estilo “um-banquinho-e-um-violão”, sempre com qualidade bem acima da média. Bons nomes já passaram por lá nos últimos anos. No andar de cima, casaizinhos trocam juras de amor à meia luz. No andar de baixo a azaração rola soltíssima e é exercitada em suas formas clássicas e consagradas, sem contra-indicações. Mas isso é mais para a garotada na faixa dos 30 e poucos anos.
Sempre que vou lá tenho a estranha sensação de voltar no tempo. A vista anuvia, o ambiente gira (depois de três cachaças então...) e parece que estou de volta aos meus 30 anos de idade (ô sodade!). Quem não se lembra daqueles barzinhos clássicos da Henrique Schaumann ou da Avenida Ibirapuera, época em que os maus filhos de famílias boas caçavam impiedosamente as meninas boas de famílias más?
O fato é que o Barnaldo fez história na noite da cidade e de certa forma ainda faz. É  mais ou menos como o programa Castelo Rá-Tim-Bum, produzido no início dos anos 90 mas reprisado à exaustão anos a fio e por isso adorado por crianças de 2 a 18 anos de idade.
Pois por sobreviver assim é que o Barnaldo Lucrecia vai sobrevivendo mais ainda e atravessando as gerações, sempre com a mesma proposta e o mesmo jeitão. Parece que ele contraria a regra definida pelo grande poeta inglês Alexander Pope, que dizia: “Ano após ano rouba-nos algo todo dia...E acaba por roubar-nos de nós mesmos”!

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

TALAGADA MINEIRA

AI MEU SÃO XOPOTÓ!

Alguém, em pleno gozo das funcionalidades mentais, já parou para se perguntar o que quer dizer Xopotó? Pode ser, alguns diriam, o som de um potro selvagem cavalgando sobre a pradaria verde. Xopotó, xopotó, xopotó....Pode ser ainda a designação carinhosa da cerinha da orelha do porco, ou o nome indígena para a região glútea das fêmeas (que xopotó tem a Potira hein?!). Não é nada disso. Xopotó é nome de um pequeno riacho das Minas Gerais, que o bairrismo e as reminiscências de infância de alguns fazem parecer um Danúbio. Ele nasce na vertente nordeste da Serra da Conceição, inserida nas grimpas da Mantiqueira, no município de Desterro do Melo. A partir da sua foz, essa é a mais alta e a mais distante das nascentes de todos os cursos d´água que formam a bacia do Rio Doce. Interessante.
Evidentemente (porque este é o nosso assunto), também é nome de um bar em São Paulo. O Xopotó, na Rua Dr. Fadlo Aidar, nº 136 (continuação da João Cachoeira, que termina bem em uma rua com nome de rio).
O fato é que até hoje não descobri se o Xopotó é bar ou restaurante, mesmo porque alguns estabelecimentos tem as características de ambos e se confundem. Não importa, vamos fingir que é bar!
A decoração é simples porém cuidadosa. É como se você estivesse numa casinha da praça da matriz, em São João Nepomuceno. Uma florida área externa ao fundo, com fUgão a lenha e tudo, é o melhor lugar da casa nos dias mais quentes.
A carta de cachaças, como não poderia deixar de ser numa casa mineira, é um trem doido sô! A maioria das caninhas é da região de Salinas, que está para a cachaça assim como a região de Bordeaux está para o vinho.
A comida então é boa dimais da conta. Costelinha suína com ora-pro-nóbis, tutu, angu e arroz, Galinhada mineira, Lombo com feijão tropeiro, couve e torresmo, Feijoada (todos os dias!) e os clássicos leitão a pururuca e galinha ao molho pardo, o prato que Bela Lugosi amava.
O Xopotó, para mim, tem um apelo sentimental porque foi lá onde conheci e conversei pela primeira vez com a mulher que se tornou minha patroa. Mas isso são intimidades e particularidades que não cabem aqui. O que importa é que é um lugar completamente diferente dos restaurantes mineiros da cidade, como o Consulado Mineiro por exemplo, que virou um hit há alguns anos sem tomar o cuidado de preservar a qualidade da cozinha, ou seja, no Xopotó a comida é bem feita e o acento mineiro, autentico.
Mas mesmo que você não seja muito chegado aos torresmos e costelinhas, o Xopotó ainda é um bom lugar para ir. Porque? Caus´que é um lugarzin bunitin, o povo é bem simpatiquin e tem uns trem bão prá bebe.
Quanto à simpatia, essa tem realmente de sobra. Se Otto Lara Resende de fato disse que o mineiro só é solidário no câncer, eu digo que o mineiro é solidário também à mesa do jantar, porque eu não conheço povo que empreste ao ato de se alimentar um sentimento tão maternal e aconchegante.
Tenho muitos e bons amigos mineiros e sei bem disso. Ô povo bão pra conversá! De mais a mais, se é para parafrasear alguém, prefiro o mineiro mais famoso de todos, Carlos Drummond de Andrade, que disse sobre Minas que “é o estado mais conservador da União, porém o que abriga o espírito mais livre”! E num é qui é messss....

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

TALAGADA FELIZ.

A FELICIDADE É.....

Quem dentre os mortais não tem uma história de genuína felicidade para contar? A pureza, a inocência, a honestidade, valores tão antigos quanto desprezados hoje, pautaram histórias de superação, de trabalho e dedicação, principalmente (mas não exclusivamente) entre os imigrantes que adotaram a cidade nos séculos anteriores. Por isso hoje quero contar a história de um bar que tem o mesmo nome da matriarca que o comanda, chamado “Dona Felicidade” (Rua Tito, 21). Tudo começou em 1934, quando dois portugueses, Sr. Manoel Bastos e Dona Felicidade Bastos, desembarcaram no Brasil ainda meninos, o Sr. Manoel com 12 anos e Dona Felicidade com 9. Vieram em navios diferentes, mas com algo em comum: a vontade de construir um futuro, uma família, uma vida. Como todo imigrante, seus objetivos eram o de prosperar e vencer. Naquela época o trabalho era o único caminho.
Casaram-se em 1945, quando a 2º Guerra Mundial fazia parte do cotidiano. Em 1946 o Sr Manoel comprou junto com alguns sócios um pequeno bar no Brás, mas como ele mesmo dizia, “sociedade termina uma parte com o dinheiro e a outra com a experiência“. Pois foi assim, ele saiu com a tal experiência e a vida continuou, simples, honesta e dura. A família aumentou para um total de “cinco filhos maravilhosos”, como diz Dona Felicidade e o Sr. Manoel, nos anos 50, adquiriu uma mercearia na Avenida  Pompéia. Todos conheciam o Sr. Manoel no bairro. Seus petiscos e sua simpatia eram elementos de um marketing espontâneo difícil de se ver hoje em dia.
Na época a mercearia de esquina, como todas, não servia refeições. Mas havia sim uma pequena copa para os petiscos e a cerveja sempre gelada. Dona Felicidade fazia questão que o Sr. Manoel almoçasse em casa. Como moravam no predinho em cima da mercearia, era fácil, apenas alguns lances de escada e pronto ! Nos dias de maior movimento ela trazia o almoço para o marido na própria mercearia e os clientes perguntavam ao Sr. Manoel sobre a possibilidade de conseguir um “pratinho“ para eles também. Cansada de subir e descer as escadas Dona Felicidade disse ao marido : - Mané, acho melhor a gente descer o fogão aqui pra baixo!
Foi assim que a mercearia dos anos 70 se transformou em uma “lanchonete“, onde se servia uma comida caseira maravilhosa, feita por Dona Felicidade. Vinha gente de todo canto da cidade e muita gente famosa começou a aparecer por lá para cometer o pecado da gula sem culpa.
O “boteco” ganhou um apelido interessante. Em razão do toldo que não cobria todas as mesas externas começou a ser chamado de “Pé Prá Fora”, e pegou! O apelido e o boteco.
Nos anos 90 Sr. Manoel desencarnou e Dona Felicidade, no comando da família, resolveu mudar o boteco para o endereço atual, um grande galpão na Rua Tito, com todo o jeitão de ter sido um depósito ou uma fábrica em priscas eras.
Dona Felicidade, com mais de 80 anos, continua pilotando a cozinha maravilhosa. A começar do bolinho de bacalhau, totalmente excelente. Calma que tem mais! Quanto aos pratos, o que você me diria de um filé mignon ou uma picanha, ambos ao alho? Ou uma costelinha suína na brasa, um carré de cordeiro, ou um virado a paulista e uma feijoada, tudo feito no capricho?!
O ambiente despojado pede uma boa variedade de cervejas e nesse quesito nossas preces são plenamente atendidas: são 38 rótulos incluindo a rara Therezópolis, a excelente argentina Quilmes e a família Baden Baden de Campos do Jordão, recentemente adquirida pela Ambev (pena).
Apenas os horários de funcionamento, bastante restritos, contam ponto contra. Eu já dei com a cara na porta algumas vezes e, pior, quando a fome bate. No mais, o Dona Felicidade é felicidade pura mesmo! E para terminar citando o atualíssimo poeta francês Nicolas Chamfort, digo que “dá-se com a felicidade o que se dá com os relógios: os menos complicados são os que enguiçam menos”!

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

TALAGADA APIMENTADA.

BIBA MÉRRICO!

Para quem não conhece, o México é um país verdadeiramente encantador, em todos os sentidos. Estive lá há alguns anos e me apaixonei perdidamente pela História, pelas cores, pela comida e a tequila. Sem contar que os mexicanos nos adoram. Não a toa houve recentemente um significativo aumento de casas “mexicanas” em São Paulo, tamanho é o interesse dos brasileiros pela culinária incrível daquele país, a qual tantas vezes tentei reproduzir na pilotagem do meu fogão, sem muito sucesso.
Um dos bares/restaurantes mexicanos mais antigos da cidade é o “Viva México” (Rua Fradique Coutinho, 1.122). Na minha opinião também é um dos melhores, ou na pior das hipóteses o que reproduz mais fielmente os sabores peculiares do país sangrentamente conquistado por Hernan Cortez. Na lida desde 1992, o Viva México permanece até hoje do mesmo jeitinho de quando foi inaugurado. Até os garçons são os mesmos.
O ambiente do boteco é minúsculo e a decoração é obviamente típica. Sombreros, bandeirolas coloridas, garrafas de tequila nas prateleiras e fotos dos grandes vultos mexicanos da história nas paredes. Venustiano Carranza, Porfírio Dias, Francisco Madero, Álvaro Obregón e porque não os heróis da revolução mexicana de 1910, Pancho Villa e Emiliano Zapata (interpretado nas telas por Marlon Brando), estão todos lá. No terreno das artes, algumas reproduções e fotos de Diego Rivera, Davi Siqueiros, Rufino Tamayo e Frida Kahlo, minha preferida!
A cozinha, se não dá vontade de aplaudir de pé, também não é de se vaiar. É evidente que todo restaurante de comida temática nunca consegue reproduzir fielmente os pratos do país de origem. Os vegetais são diferentes, as carnes tem outro sabor, os temperos, as ervas...etc. Mesmo assim, o Viva México procura, dentro das possibilidades, ser o mais fiel possível. Não espere encontrar lá a comida “tex-mex” (texas/méxico), com as tortillas douradinhas e fritas. Não. As tortillas de lá são iguais às do país mãe, moles e na chapa. E são deliciosas!
Na Cidade do México a comida de rua é um patrimônio cultural. São milhares de “taquerias” espalhadas pela imensa cidade. Bibocas meio sujas, com a carne girando no espeto vertical, banhada em pimenta vermelha ou jalapeño, igualzinha ao nosso churrasquinho grego. Há que ter a coragem de Montezuma para comer um taco nesses lugares. Pois o Viva México pretende ser uma taqueria. Mas na verdade não é. O país sede, através das importantíssimas culturas azteca e maia, legou ao mundo a pimenta, o chocolate e o milho (é pouco?). Com esses três ingredientes (e mais alguns) é possível criar maravilhas. Experimente no Viva México, por exemplo, o taco a la parrilla (para duas pessoas), chili com carne ou o frijole (feijão) refrito. Excelentes! Mas existem muitos outros pratos e antojitos (aperitivos) no cardápio. Burritos (uma espécie de caneloni mexicano), fajitas (tiras de carne com vegetais), quesadillas e tantos mais! Só tome muuuuito cuidado com as pimentas. No México passei indescritíveis apuros por causa dela. No Viva México não é muito diferente. Quem tem gastrite ou outros problemas vasculares mais ao sul, é prudente evitar. Mas como diz o velho adágio, passarinho que come pedra.....
Para beber, algumas boas cervejas mexicanas como por exemplo a excelente “Dos Équis” (dois X), minha preferida, e as margaritas (marGUErita é pizza pô!!!), frozen ou tradicional. Para os mais corajosos, boas tequilas e mezcal, mas isso é bebida pra gente grande, sem filhos e sem apego à vida.
De vez em quando aparece por lá um trio de mariachis, todos com a inconfundível cara de bolivianos ou peruanos. Evite também. É muito ruim e nem de longe parecida com a verdadeira música mexicana. Isso porque existem poucos mexicanos de verdade no Brasil. Eles preferem se aventurar na fronteira mais ao norte e, invariavelmente, se dão muito mal. Como disse o político Porfírio Diaz, “pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”!
Para quem já conhece e gosta de comida mexicana, o Viva México é “o” lugar. Para quem nunca se aventurou, também. Mas repito o alerta. Tenha sempre em mente a frase do sábio brasileiro Érico Veríssimo que diz que “a alma mexicana pode comparar-se a uma lavoura de milho de aparência tranqüila. Mas cuidado, forasteiro! A qualquer momento a roça pode explodir num vulcão sem aviso prévio e toda a contida e ardente lava brotará com fúria mudando por completo, em poucos minutos, a paisagem em torno”. Por “ardente lava” entenda-se “pimenta”!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

TALAGADA CARNÍVORA.


VILMAAAAAAA...

Quem não se lembra? Na abertura do desenho animado “Os Flintstones” Fred tira o tigre dente de sabre de dentro de casa. Logo após é o tigre quem o expulsa e ele fica do lado de fora batendo na porta e gritando “VILMAAAA”! A imortal criação de Hanna e Barbera embalou as tardes de muito marmanjo. Incluindo euzinho. Sempre quis ter um dinossauro de estimação, ou um carro com propulsão de sola de pé. Uma vez até tive um. Era um fusca tão enferrujado que quase fica sem o piso.
Sonhei muitas vezes com os filés de brontossauro que Fred e Barney devoravam e este sonho também se concretizou no dia em que encontrei alguma coisa bem parecida. Evidentemente foi no Sujinho – Bisteca D´Ouro (Rua da Consolação, 2038). Um barzão na fulgurante esquina da Consolação com a Rua Maceió.
A história do Sujinho é pouco conhecida. Não se sabe exatamente se nos anos 60 ou 70, era um simples boteco ao lado do Teatro Record, que, de repente, começou a servir algumas refeições. Os apelidos da espelunca pegaram. Sujinho, por motivos óbvios (quem o conheceu nessa época sabe o porque) ou o sub-apelido “Bar das Putas”, numa singela homenagem às corajosas moças de vida fácil (hãhã!) que faziam o “trottoir” nas redondezas, perto do Cemitério da Consolação ou na famosa “casa da luz vermelha” da “Tia Olga” (lugar preferido de 11 entre 10  adolescentes da época).
O filé de brontossauro ao qual me referi acima era uma bisteca bovina gigante, de 700 gramas de carne suculenta e osso, que até hoje é o carro chefe da casa e necessita de dois garçons para trazê-la à mesa. A simples visão da imensa iguaria causa um inesquecível impacto e já satisfaz. Quantas madrugadas, pós aventuras e desventuras, fui até lá matar a fome antes do sono dos justos! Uma bisteca e a saladinha de repolho! É tudo o que um homem necessita depois das 3 da manhã! Certa vez o estado alcoólico era tão desesperador que adormeci sobre a bisteca, certamente achando que era o melhor travesseiro de pena de ganso com cheiro de churrasco do mundo!
O fato é que nos anos 80 o boteco, nas mãos de novos donos portugueses, se popularizou. Nos anos seguintes uma extensa reforma transformou-o num lugar um pouco mais apresentável e duas outras filiais foram inauguradas. Mas o Sujinho (que acabou se apropriando do apelido transformando-o em nome oficial) continua tendo uma indisfarçável vocação para a madrugada. Continua sendo um destino seguro para os boêmios esfomeados de plantão!
Além da bisteca já descrita a grelha do boteco ainda produz algumas outras maravilhas. Picanha, cordeiro, espeto misto e um pintado na brasa dos deuses, tudo em tamanhos dinossáuricos, que fariam de Fred Flintstone o mais feliz dos neandertais. 
Mas liberte o T. Rex que existe dentro de você e ataque de bisteca, pelo menos na primeira visita. Acredite, se eu fizesse uma lista chamada “100 pratos para devorar antes de morrer” a bisteca do Sujinho figuraria em 7º, talvez 6º lugar.
Para bebericar, as cervejas nacionais de sempre em garrafas grandes. Não me lembro de muita coisa mais porque sempre estive lá na alta madrugada, em condições que não me permitiam beber um gole sequer.
Para finalizar, volto ao assunto da reforma. Sim, o bar ficou bem mais agradável e ganhou um andar de cima. Virou um Sujinho arrumadinho. Mas sou obrigado a professar a minha inevitável admiração pelo boteco pé-sujo. O Sujinho já foi um pé-sujo autêntico, com azulejos de péssimo gosto nas paredes, chão mais gorduroso do que cabelo de galã dos anos 30 e uma churrasqueira fumacenta na entrada, Saudade! Como disse Luiz Fernando Veríssimo, boteco bom é aquele onde os ratos usam máscaras cirúrgicas e as baratas fazem passeata na porta contra as péssimas condições de higiene!


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

TALAGADA DANÇANTE.

QUEM NUNCA VIU...

O samba amanhecer? Vai no Bixiga prá ver, recomendaria o grande Geraldo Filme. Isso nos anos 60 ou 70. Hoje o bairro, que já foi reduto do samba e berço da querida Escola de Samba Vai Vai, é um nostálgico arremedo do que já foi um dia. De seu passado de glórias, de bairro boêmio da cidade, só restaram os antigos casarões. Os bares mais famosos, Café Soçaite, Boca da Noite, já fazem parte da história. Sim, após décadas de exploração desenfreada, de especulação imobiliária, de ausência de investimentos públicos que prestigiassem o evidente destino turístico do bairro, o querido Bixiga agoniza. Mas não morre! Como dizia o poeta inglês Samuel Butler, “quem está em baixo não pode cair mais fundo”.
Apenas um bar decente restou, para representar o inebriante passado da velha ladeira da Treze de Maio. É o Café Piu Piu (Rua Treze de Maio, 134). E continua pulsante desde a inauguração em 1983, em plena e agitada atividade, quase todos os dias da semana, com um público mais fiel do que um labrador carente!
Ao chegar na entrada temos a impressão de que é um lugar pequeno, mas após a primeira e única porta um vasto salão se abre, com mezanino e tudo. O ambiente é escuro, como convém a uma casa de shows e de dança, mas a decoração (que não muda há muitos anos) é bacana e aconchegante. Um bar enorme, com muitas garrafas dispostas na estante iluminada (bacana), janelões com vitrais, mesas com tampo de mármore, é no mínimo um lugar diferente.
No departamento comes e bebes não foge muito do normalzão. O clássico dos clássicos provolonão à milanesa está lá! Ainda tem o tal de “latke”, que é um bolinho frito de batata ralada, escondidinhos, beirutes, sanduíches e bruschettas, mas fala sério, com a profusão de cantinas na vizinhança (algumas ainda boas), você não vai cometer o desatino de ir lá para jantar! Para beber, o-bom-e-velho-chopp-Brahma, cervejas long neck (para mim long neck é girafa), Pina Colada, Cuba Libre e caipirinhas. Pronto, é o que há de destaque.
Como acontece com vários bares aqui tratados, o forte da casa é a música ao vivo. Em seu enorme (para um bar) e super bem localizado palco já passou (e ainda passa) muita gente bacana. Mônica Salmaso em comecinho de carreira, Vanessa da Mata idem,....e tantas outras vozes hoje Globais! Lembro-me com nostalgia dos tempos em que a excelente banda de gafieira CometaGafi, dos meus amigos Adilson Rodrigues, Cláudio Duarthe e troupe, se apresentava lá um domingo por mês. Era sensacional. Hoje, a programação é variadíssima, para gregos e troianos, mouros e cristianos. Nas quartas tem de tudo, fado, jazz, etc, etc, com boas bandas em geral desconhecidas. Às quintas, sextas e sábados, classicões do rock para nós, os dinossauros que ainda lamentam que já não se fazem mais bandas como Led Zeppelin, Uriah Heep, Pink Floid, The Doors, Beatles/Rolling Stones, Deep Purple e outras tantas mais! Aos domingos a programação é variada e geralmente boa, com shows e eventos de escolas de música. No geral é tudo muito interessante. Principalmente se le gusta bailar!
Para finalizar, há alguns anos ouvi da boca da dona do Piu Piu uma história curiosíssima. Numa pequena reforma do bar descobriram que no subsolo há, intocado, um teatro antigo (do século 19 provavelmente), que nem os historiadores do bairro sabiam que existia. Na época a idéia era conseguir um patrocínio para restaurar, preservar e recuperar o teatro para shows, colocando no Piu Piu um chão de vidro (bem resistente evidentemente), para que as pessoas pudessem ver o teatro iluminado sob seus pés. Seria simplesmente maravilhoso se isso acontecesse! Porém, como eu nunca mais ouvi falar do assunto, acho que o patrocínio não veio, as autoridades não se interessaram (como de costume) e o projeto se perdeu. Mas o teatro, espero, ainda está lá!!! Pena que ninguém mais dá importância a isso! Pena!!!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

TALAGADA CHATEADA

BÄR DES DEUTSCHEN

Bem ali pertinho da sede do melhor time de futebol do mundo, a gloriosa Sociedade Esportiva Palmeiras, vários bares pulularam. Muitos deles para que os tifosi palestrinos comemorassem as altaneiras vitórias do Alviverde de Parque Antártica, hoje carinhosamente conhecido como porcooooooooo, entornando cerveja em quantidades maiúsculas. Até o nome do antigo estádio (que em breve dará lugar à cintilante Arena) induz ao consumo do nobre líquido. Isso porque antes que a Societá Sportiva Palestra Itália o adquirisse era um parque da cervejaria Antártica, onde no início do século passado os moçoilos de chapéu de palha iam passear com suas namoradas e beber cerveja! O local tem, pois, tradição no que diz respeito ao consumo do saudável e saboroso sub-produto da cevada.
Já bem mais tarde, em 1968, tempos da inesquecível academia de Ademir da Guia e Dudu, surgiu ali ao lado o Bar do Alemão (Avenida Antártica, 554). E já nasceu com uma iniludível vocação para perdurar no tempo.
Desde os primórdios o bar teve uma decoração bávara. Ela foi mantida até hoje. Dá a impressão de que Joseph Mengele vai entrar pela porta a qualquer momento e pedir um chopp e um salsichão geneticamente modificado. O ambiente é pequeno, com poucas mesas e tem um mezanino menor ainda. Mas é aconchegante.
O chopp sempre foi bom e para acompanhar peço sempre uma porção de canapés bem interessante. Mas tem também um bom churrasquinho (sanduíche), salsichões, omeletes e boas comidinhas alemãs. Já a música ao vivo, não tem nada de alemã! (meno male).
Segundo o economista e bandolinista Luís Nassif e minha amiga Roberta Valente, excelente percussionista e pesquisadora de texto impecável, o primeiro dono do Alemão, Murilo, fechava o bar oito da noite e depois disso só entrava quem era músico. O próximo dono, o pandeirista Dagô, elevou definitivamente o boteco ao patamar de reduto de boa música. Em suas mesas estiveram Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola e Paulo César Pinheiro. É brincadeira?!
Hoje um dos donos é nada mais nada menos do que Eduardo Gudin, na minha opinião um dos principais representantes do genuíno samba paulistano e compositor inspiradíssimo. Garantia de que o bar tenha boa música todas as noites. E tem. Além das aguardadas e celebradas canjas de Gudin, o lendário percussionista Jorginho Cebion, o ótimo violonista da noite Valdo, Henrique ao cavaquinho e bandolim, a maravilhosa cantora Dona Inah, a pequena/grande percussionista Kika, o violão de Serginho Arruda e muitos outros mais estão sempre por lá, na mesa redonda ao centro do bar, cuja foto já foi até capa de disco do dono em priscas eras. Boêmia em estado puro! Quem conhece esses nomes sabe do que estou falando. Isso faz com que o clima reinante no bar, todas as noites da semana, seja de permanente festa, de roda de samba da melhor qualidade, salvo algumas raras e inexpressivas exceções.
Falando nisso, como todos os bares da cidade, o Bar do Alemão tem um probleminha: A quantidade de chatos que freqüenta o lugar é insalubremente excessiva e uma vez que o bar é pequeno a chatice se eleva à enésima potência. Tem tanta mala que parece o depósito da Le Postiche. Mas convenhamos, num honesto exercício de auto-crítica é forçoso reconhecer que todos nós temos um chatão morando aqui dentro (esse meu papinho mesmo é muito chato) e como dizia Guilherme Figueiredo no genial livro Tratado Geral dos Chatos, “todo indivíduo tem o chato que merece. É impossível chatear o chato. Dois chatos da mesma espécie não se chateiam”.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

TALAGADA SERPENTEANTE.

FIADO SÓ AMANHÃ


“Fiado é igual barba, se não cortar, cresce”, “Fiado só para maiores de 90 anos acompanhados dos pais”,“Fiado? Só em dia de feriado, que o boteco está fechado”. Quem nunca se deparou com uma dessas pérolas escrita no balcão de um bar põe o dedo aqui! Se o bar é o lugar onde a loucura é vendida em garrafas, o balcão é a sua alma. Sempre digo: Bar que se preze tem que ter balcão! E já expliquei o motivo. O balcão permite que você freqüente o bar desacompanhado, sem pagar o mico de se sentar sozinho à mesa. Simples! E o balcão ainda permite que você encha o saco do barman com suas dores de amores. Já foi um dos meus esportes prediletos! O que dizer então de um bar que é um imenso e serpenteante balcão? Sim, já dá pra notar que estou falando do famigerado “Bar Balcão” (Rua Melo Alves, 150).
Há mais de 15 anos ele sobrevive em pleno “jardins”, o que já é um feito notável. Isso porque é um bar pra lá de sofisticado e original. Como eu já havia adiantado, o bar é um balcão de 25 metros, com banquetas dos dois lados (idéia ótima!). A decoração é bacanérrima, com direito a uma tela autêntica do maior expoente da pop art americana, Roy Lichtenstein!
Da pequena cozinha, nada de muito substancioso ou original. Algumas opções de sanduíches no pão ciabata e só, pelo que eu me lembre. Para beber, boas caipirinhas e uma carta de vinhos de respeito, como convém a um bar chique dos jardins. Nada de chopeira e cachaças de estirpe. Isso porque ninguém vai lá com a séria e deliberada intenção de matar a fome ou de beber até cair. O propósito do bar, e isso salta aos olhos já na primeira impressão, é de que é um lugar para solitários com vontade de bater papo furado, ou um papo cabeça, dependendo de quem você conhecer lá.
O que ocorre é que essa história de um balcão com banquetas dos dois lados vai jogá-lo cara a cara com alguém que você nunca viu antes e isso é algo interessante. Ou pode ser um desastre. É uma questão de sorte! Dificilmente você se sentará frente a frente com uma moça que é a cara da Jéssica Biel, com o corpo da Juliana Paes, louca para beijar (e otras cositas más) o primeiro zé ruela que aparecer. Mas quando eu era solteiro (que isso fique bem claro) pude observar que as freqüentadoras são bem bonitas e interessantes.
Já li em algum lugar que o bar é freqüentado por gente “antenada”. Nunca vi um marciano e nem um híbrido de ser humano com formiga que justificasse as antenas, mesmo porque esse é um termo típico de críticos de jornais “antenados”. São pessoas no máximo “descoladas” (outro termo horroroso! Descoladas de que, meu Deus???!!!).
O que importa na verdade é que o bar é uma elegia à paquera e a paquera é a aquarela do amor! Mas é uma paquera em alto estilo, no nível “jardins”. Portanto recomenda-se trajes bacanas e um papo interessante, sem ser muito intelectual ou enfadonho. Não comente futebol e nem assovie um pagode sob pena de ser expulso. Tenha sempre em mente que na sua frente poderá estar sentada a mulher da sua vida, nem que seja por uma noite, e que ela deve ser, sim, uma moça inteligente, culta e viajada além de Miami ou Orlando.
Vá disposto, portanto, a praticar aquele outro esporte inventado pelos britânicos chamado “flirt”, aportuguesado para “flerte” (mais interessante do que o futebol e olha que eu adoro futebol). Por fim, lembre-se sempre da lição do grande Oscar Wilde que dizia que “a única diferença entre um flerte e uma paixão eterna é a de que um flerte dura um pouquinho mais”.

sábado, 30 de julho de 2011

TALAGADA ANTIGA.

GUARANÁ COM ROLHA

Dá uma certa dorzinha nostálgica a gente pensar que em mil novecentos e guaraná com rolha existiam na cidade dezenas de opções de botecos com boa música brasileira, no melhor estilo um-banquinho-e-um-violão. Já tratei aqui de falar de alguns deles que bravamente resistem ao chamado dos novos tempos, aos apelos de fácil digestão do mercado brasileiro, que virou uma grande Miami musical como disse Antonio Abujamra. Mas tudo isso, tanto os botecos quanto essa enfadonha discussão, já fazem parte do século passado. Pior, do milênio passado!
O que nos resta é engolir a almôndega estragada dos bares de música sertaneja, de pagode e de música eletrônica. Apenas isto nos restou. Antes não tivesse restado nada! Mas durante o tempo em que torcemos e aguardamos pacientemente pela derrocada e ostracismo inexorável do pagode e da música sertaneja, comemorando ruidosamente cada cd vendido a menos, ainda temos alguns poucos lugares para ouvir um pouco de música de verdade. Um desses lugares não é bem um boteco. Pelo menos por fora não parece. Nem placa, nem nada em sua fachada indica que ali dentro funciona um bom reduto de música de qualidade. Toca-se uma campainha e um mundo se abre. Na verdade é um clube. O “Julinho Clube” (Rua Mourato Coelho, 585).
Conheci Julinho Camargo quando ainda era um dos bons músicos do lendário bar Boca da Noite, no Bixiga, revezando o palco com Filó Machado, Elton e a grande cantora Maria Marta. Depois ele abriu um bom bar de música na Rua Pinheiros: o extinto Bartitura. De alguns anos pra cá Julinho e alguns poucos amigos, em sistema de mutirão, reformaram uma velha casa e abriram o clube. E faz sucesso! Principalmente às quintas-feiras quando no espaço se reúne o Clube da Boemia!
Recentemente lá estive para ir ver um show do excelente cantor e compositor Lula Barbosa (aquele do “Mira Ira” no festival da Globo dos anos 80), que infelizmente poucos conhecem. Tive a melhor das impressões. Ambiente aconchegante, escuro e com velas acesas nas mesas, um pequeno mas bem achado palco, atendimento simpático conduzido por moças bonitas, cervejas geladas, algumas boas porções (pastéis, por exemplo) e boa música. Sim, a velha fórmula ainda funciona, por mais antiquada que pareça.
Não teria muito mais a falar sobre cardápio, marcas de cerveja, acepipes e congêneres mesmo porque só estive lá uma vez e sem fome (mas com alguma sede). Posso falar, isso sim, que o lugar é despretensiosamente nostálgico e tranqüilo. Impossível entrar lá sem receber uma lufada de memórias agradáveis de outros tantos lugares bacanas do nosso passado, de bares que não existem mais (eu teria dezenas para citar) e, sem querer ser repetitivo, de excelente música. Aqueles que tem RG abaixo de 12.000, como eu, sabem bem sobre o que estou falando.
Como detalhe adicional, na parede do palco existe um painel que é réplica fiel do desenho da parede do já mencionado Boca da Noite, com a representação gráfica dos grandes nomes da música brasileira. Ver isso ocasiona uma lágrima furtiva e insistente no canto do olho.
Pedi licença ao Julinho para falar de seu espaço aqui (que ele gentilmente concedeu) porque o lugar não pretende escancarar suas portas e virar mais um botequinho de Vila Madalena. Então, recomenda-se um certo segredo, falar baixinho para que as hostes bárbaras não nos escutem e para que o lugar continue sendo o que genuinamente é: simpático, tranquilo e aconchegante. E para falar de simpatia, vale lembrar a lição do grande prosador espanhol Baltasar Gracián que disse que “a simpatia consiste num parentesco de corações e a antipatia num divórcio de vontades”.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

TALAGADA SECA.

PEIXE SECO


Piratininga, segundo Silveira Bueno, é vocábulo indígena que significa "peixe seco". Do tupi pira: peixe; e tininga: seco. O topônimo teria referência aos peixes que morriam à margem do Rio Anhangabaú, depois que este transbordava pelas cheias (novidade), e findavam por secar expostos ao Sol. Também já compôs, como é fato sobejamente sabido, o nome de nossa cidade, São Paulo de Piratininga, um povoado que em 25 de janeiro de 1554 surgiu numa colina, para fugir das cheias talvez.
Também é nome de bar, e dos bem razoáveis (Piratininga Bar - Rua Wisard, 149), na ativa há quase 20 anos. Se alguém, da mesma forma que eu, pensa que bar de verdade tem que ter balcão, vai gostar de lá. E digo mais, já chorei dores de amores naquele balcão, disse impropérios, roguei pragas a ex-namoradas (que não pegaram, graças a Deus), tudo sob o atento e conivente olhar do bar men e do meu copo de uísque, que também me dava conselhos depois da oitava dose.
Antes da reforma que o descaracterizou, infelizmente, era um bar ainda melhor. Pequeno, escuro e com ar nostálgico, qualidades que caem bem a um bar (não estamos falando de ambientes hospitalares). Quando ainda se podia fumar lá dentro era possível cortar a fumaça com uma faca, se não fosse o perigo dela revidar (parafraseando L.F. Veríssimo). Mas hoje o ambiente interno é impolutamente ascético. Assim como o ar da cidade, que nunca mais teve problemas de poluição depois da proibição do fumo dentro dos bares.
Não vá lá para comer, fica dado o aviso. Vá para beber, como convém ao cenário. Não que a comida seja horrorosa. Não é. Mas também não é digna de grandes elogios. Tudo meio comum e sem borogodó. Já os bebes são bem bons. Tente a caipirinha de lima da pérsia ou os uísques honestos. Evite o chopp, servido em temperatura quase ambiente e sem espuma, como se tivesse sido tirado por sua sogra. A música ao vivo, no mezanino, não dá para ser evitada, mas bem que deveria. Já foi bem melhor. Hoje, é aconselhável levar seu ipod.
Outra sugestão: o Piratininga é um bar ideal para se ir sozinho e sem nenhuma vontade de paquerar ninguém (mesmo porque dificilmente você vai encontrar alguém). É o local ideal para beber bastante e chegar à conclusão de que você está fazendo tudo errado na sua vida, chorar, ficar nostálgico, falar sozinho sem que ninguém ache esquisito, escrever longas cartas de amor no guardanapo e depois jogar fora e esquecer tudo no dia seguinte. No máximo, leve alguém com quem você não queira ser visto, seja qual for o motivo (eu consigo pensar em vários). Acredite, ninguém vai saber!
Eu vou lá desde o tempo em que o bar reinava solitário naquele trecho da rua. Hoje o pedaço está bem mais agitado, inclusive com outras casas do mesmo dono (Pira Grill e Pira Sanduba), mas não tem erro: é o único bar que tem um Ford Phanton 1929 estacionado na porta (propriedade do dono do bar) e uns cinquentões grisalhos parecidos comigo, nas mesinhas da calçada. Mas não confunda: se eles estiverem falando da cotação da bolsa de valores ou do último jogo do tricolor, não sou eu!







sexta-feira, 15 de julho de 2011

TALAGADA ESCANTEADA.

NÃO É EM QUALQUER CANTO QUE SE ACHA

Através dos tempos, a esmagadora maioria dos nomes dos bares que conheci não guarda nenhuma relação com as características externas do estabelecimento e às vezes também com as internas, o que é mais grave. Um bar tem que dizer a que veio já no nome, sob pena de navegar pelos mares perigosos do estelionato etílico, fazendo uso de ardis para iludir os incautos, sedentos por boas novas e boas cervejas. Como toda a regra tem a sua exceção, esse não é o caso do bar “Canto Madalena” (Rua Medeiros de Albuquerque, 471). Ele encontra-se “cravado” justamente num canto de rua, que não poderia ser mais quina do que já é, sendo que ele não é um bar de esquina. Pelo menos não uma esquina convexa. É côncava. Não sei se me fiz entender, existem esquinas côncavas? Não importa. Esta não é a sua melhor característica.
Os motes do bar são o ambiente e a comida. Comecemos pelo último, só prá chatear. Comida com acento nordestino. Toda comida temática é traiçoeira mas no caso do Canto Madalena o risco é mais ameno. Na hora do almoço tem buffet. No jantar, excelentes escondidinhos, carne seca desfiada com farofa, costelinhas de porco de matar, baião de dois, porção de acarajés, arrumadinho, um mexidão nordestino que seria capaz de assentar azulejos sem argamassa, enfim, a lista é longa e boa. Além disso tudo, uma novidade bastante criativa entrou no cardápio há pouco tempo. É o contrário do escondidinho, chamado “amostradinho”, em várias versões com destaque para o de lula salteada sobre purê de banana da terra e o de ragu de rabada sobre polenta mole. Beeeem bacana!
Para acompanhar, as cervejas nacionais de praxe e um bem tirado chopp. Isso sem contar, é lógico, com uma extensa carta de cachaças de estirpe. Pronto! Nada mais é necessário.
Agora, para falar da decoração e do ambiente, é preciso empreender uma jornada memória adentro e lembrar dos detalhes que existiam nas casas de nossas avós. Pingüins de geladeira? Móveis antigos? Cristaleiras? Vasos de flores sobre toalhas de chita? Tudo isso e mais um pouco está lá, proporcionando uma sensação de conforto e aconchego bem perceptível. Afinal de contas, existe lugar mais amoroso e acolhedor do que a casa da vovó? Bem dizia o poeta Lauro Muller que o avô é o pai sem exigências e a avó, a mãe com açúcar!
Vá lá com tempo. O serviço não é um campeão de rapidez, mas também não chega a enfurecer. Sem contar que é extremamente simpático. Se possível, peça para ser atendido pelo discreto e altíssimo garçon Guina, excelente profissional que conheço de priscas eras do bar Bom Motivo e que sabe guardar todos aqueles segredos vexaminosos sobre os nossos porres do passado (quem não os tem que atire a primeira azeitona).
Como luxo extra, o bar oferece música brasileira ao vivo em alguns dias da semana e aos sábados no almoço, oportunidade em que é servida uma lauta feijoada, mas as poucas vezes em que ouvi música ao vivo lá, preferia não ter ouvido. Esse item precisa melhorar. Todo o resto compensa com sobras.
Ressalto por fim que não se trata de um bar de comida típica, razão pela qual conserva suas boas características. Talvez seja apenas um bar de comida brasileira e ponto. Por isso termino parafraseando Gilberto Amado, dizendo que “quem não gosta do Brasil não me interessa”.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

TALAGADA ARQUEOLÓGICA.

JURASSIC PARK

O período jurássico dos bares de São Paulo atingiu o seu ápice por volta dos anos 40, até o início dos anos 50. Antes disso vigia a era paleozóica. Ao contrário de todos os prognósticos alguns poucos bares sobreviveram e chegaram até os dias modernos. Como sói acontecer, os sobreviventes viraram “clássicos”. Os pés sujos da época eram mal vistos, coisa de bebum, apesar de sabermos que toda a boa família de São Paulo sempre teve ao menos um bebum em suas fileiras. Hoje viraram cult.
Os bares “chiques” vieram para suprir essa lacuna. Sem o menor medo de cometer um engano, o bar classudo mais importante que sobreviveu (a duras penas) foi o Pandoro (Avenida Cidade Jardim, 60). A tradução literal do nome seria “pão de ouro” mas o estabelecimento, curiosamente, nunca foi uma padaria e nunca serviu pão.
Fundado em 1953 o barzão atingiu seu ápice nos anos 60 e 70, quando os filhos das boas famílias o freqüentavam, após o habitual rolê na Rua Augusta, com seus possantes opalas e dodges charger RT ou suas reluzentes Hondas CB 750 four. Sim senhores, esse hábito incompreensível de rodar por aí, sem nenhum objetivo, apenas para exibir carros ou motocicletas, esbanjar inutilmente a preciosa gasolina, fritar pneus em arrancadas e poluir o planeta não é uma novidade entre os paulistanos. A cidade sempre teve uma inequívoca vocação para andar motorizada. Mais incompreensível do que isto considero apenas o hábito de ir ao aeroporto de Congonhas para ver, do terraço, aviões decolando e pousando. Até hoje isso acontece em Guarulhos. Que falta nos faz a praia!
Voltando ao assunto, nos anos 90 e início do novo século o Pandoro experimentou uma inevitável decadência, na mesma proporção da derrocada das fortunas dos que o freqüentavam. Chegou mesmo a falecer e ser enterrado por dois anos, ressurgindo de cara nova em 2008 nas mãos de novos donos. Mas a alma e os fantasmas, dizem, permaneceram. O bar espelhado continua lá e o lendário (e provavelmente septuagenário) barman Guilhermino também. De suas trêmulas mãos sai o drinque que se tornou o carro chefe da casa: o “Caju Amigo” (que após três ou quatro doses se transforma rapidamente no seu pior inimigo). Exaustivamente copiado e nunca superado o clássico drinque leva uma mistura de vodca (bebida da moda em tempos de guerra fria), açúcar, gelo, suco de cajú concentrado e uma compota de caju morto estranhíssima de se ver (parece o feto de algum animalzinho, nem olhe muito). Além disso duas gotinhas de um componente secreto cuja fórmula morrerá com Guilhermino (pó de pirlinpinpin hidratado ou quiçá o suco de abóbora do Harry Potter). Nem Hercule Poirot descobriria.
Mas tem mais. Um bom chopp Brahma, algumas porções, coxinhas creme, mais de 110 marcas de wiskhy, drinks, pasteizinhos, salgadinhos, empanada de estrogonofe, lingüiça de cordeiro e cervejas nacionais e importadas fazem a alegria dos playboy/boêmios de plantão. A casa possui janelões de vidro no estilo aquário, poltronas "chiques" para bundas mais ainda e móveis garimpados de antiquários, além de um belo jardim com paisagismo típico da década de 50, ou seja, de quando a cidade ainda tinha paisagem. As paredes são decoradas com 78 caricaturas de seus clientes, o que para mim soa como um catálogo do programa do Amaury Puxasaco Júnior.
No mais, o Pandoro voltou a ser o que sempre foi, um ultimate fighting da paquera para cinquentões e sessentões descasados (os mesmos que freqüentavam a Rua Augusta nos anos 70) que hoje estacionam suas harleys e seus jaguares em frente ao bar e ficam horas discorrendo sobre o carburador XYZ enquanto disparam olhares tipo tigrão-um-ponto-oito para as gatinhas quarentonas ao lado. Já foram endinheirados. Ou ainda são, sei lá. Mas a esse respeito termino citando o intelectual inglês Maurice Baring que dizia que “se quiserdes saber o que Deus pensa do dinheiro, é só olhar a quem ele o dá”.



sexta-feira, 1 de julho de 2011

TALAGADA PORTENHA.

EL DIA QUE ME QUIERAS

Você anda pelas ruas, cansado após um longo dia de trabalho e o estômago dá os primeiros roncos de fome, disfarçados pelos roncos dos motores dos automóveis engarrafados. Então você passa pelo bar da esquina e o único croquete de carne remanescente da vitrine dá uma piscada para você. Sim, ele te deu mole, ele te quer, ele está te esperando há dias. E então você ouve a trilha sonora: “el dia que me quieras”....irresistível. Você devora o combalido acepipe com a volúpia dos etíopes e vai embora. Antes de chegar em casa é o intestino quem te dá os primeiros e inconfundíveis sinais de que foi intoxicado e você ouve a trilha sonora: “adiós muchachos, compañeros de mi vida”......Corre para o trono e passa a noite lá. E dá-lhe retocolite ulcerativa e dá-lhe colonoscopia e dá-lhe imosec.
Essa lamentável cena nunca aconteceria se o bar em questão fosse, por exemplo, o “Empanadas” (Rua Wisard, 489). Lá, deliciosas e saudáveis empanadas o aguardam em sortidos sabores: carne, frango, palmito, carne-seca, roquefort....mas seja tradicionalista e prefira as de carne. Elas não param de sair do forno, sempre fresquinhas e bem quentes. Para acompanhar, cervejas trincando de geladas. Essa combinação pelando e trincando é o que de melhor a casa tem a oferecer, mas existem outros pratos, sanduíches e porções que nem vou levar em consideração.
Em 1980 a Vila Madalena ainda era apenas um reduto de moradores interioranos, artesãos de calçada, bicho-grilos desocupados em geral, estudantes da USP expulsos do CRUSP, atrás dos aluguéis baratos e cineastas com muitas idéias na cabeça e nenhuma câmera à disposição para registrá-las. Nessa época, cartunistas como Angeli ou o falecido e genial Glauco teriam inspiração para criar outros tantos personagens espetaculares, tamanha a diversidade e excentricidade dos nativos. Foi nesse glorioso ano-de-nosso-senhor que o Empanadas veio à luz, fruto da sociedade improvável entre um argentino e um chileno. Sim, porque o que este país tem de bom é que judeus freqüentam a casa de árabes e chineses fazem churrasco para coreanos e japoneses, todos bebendo muita cerveja e convivendo na maior harmonia, independentemente da pinimba que esteja ocorrendo em suas respectivas terras-mãe.
No início era apenas uma portinha e era possível encontrar lá os já mencionados cineastas frustrados discutindo veementemente o último Godard ou Antonioni. Hoje o boteco virou um master/blaster barzão e todas as tribos o freqüentam, de engravatados a rastafaris, de tatuados a patricinhas e, porque não, os neo-bicho-grilos ainda desocupados. E o comando passou para quatro novos sócios, três deles antigos garçons do estabelecimento.
Para mim o Empanadas tem um valor nostálgico e gastronomicamente inovador. Nostálgico porque foi um dos primeiros botecos que freqüentei e inovador porque descortinou um vasto universo de novidades portenhas e me ensinou que Buenos Aires é uma cidade sensacional e que os “hermanos” argentinos são sim caras legais, apesar das piadinhas infames que alguns contam sobre eles. Mas talvez as piadas sejam apenas uma forma de reverenciá-los. Só porque eles sabem fazer churrasco, fazem grandes vinhos, tem mulheres lindíssimas e de vez em quando nos aplicam vergonhosas sovas no futebol. Só por causa disso! Ah, e produziram gente do calibre de Astor Piazzola, Borges, Maradona e Messi. Só por causa disso!
Mesmo assim, termino contando aquela passagem verdadeira (não é piada) em que um argentino pegou um táxi e foi para uma colina nos arredores de Buenos Aires. Desceu do táxi e ficou horas olhando para a cidade, sem dizer palavra. Até que o taxista perguntou o que faziam ali e ele respondeu dizendo que só queria ver como a cidade se virava sem ele!

sábado, 25 de junho de 2011

TALAGADA PRAIANA.

POSTO ISSO....

Copacabana ainda tem sereias sempre sorrindo? Ainda é cheia de luz? Ainda é a princesinha do mar? Quem já ouviu a imortal canção de João de Barro, na voz maviosa de Dick Farney acha que sim. Pelo menos uma das várias músicas feitas em sua homenagem é lindíssima. Mas talvez a praia em si não seja mais digna do epíteto. Por outro lado, o pequeno trecho final de Copacabana veio, num passe de mágica, parar numa esquina da Paulicéia. Mais precisamente na esquina das Ruas Aspicuelta com Mourato Coelho, na “baixa” Vila Madalena, como querem alguns. Posto isso, estou falando do “Posto 6” (Rua Aspicuelta, 644), um boteco já amplamente premiado e que tem nome de um pedacinho da famosa e extensa praia. Ao lado de Malibu, Waikiki e a vizinha Ipanema, certamente a praia mais famosa do mundo!
Sim, o Posto 6 é um daqueles botecos cariocas importados mas, junto ao Pirajá, é um dos melhores! Nada que não seja do amplo conhecimento de todos, ou de alguns, mas é um boteco extremamente simpático e bem situado.
Já na decoração é possível, aos desavisados, perceber o que o Posto 6 pretende. Uma camisa do Flamengo assinada pelo Galinho de Quintino, objetos antigos, capas de discos clássicos da MPB, caricaturas de ilustres bebedores profissionais brasileiros e um acervo inédito de fotos do Jornal do Brasil, arrematado por um dos sócios do bar que é jornalista. Numa dessas fotos, Chico Buarque, Vinícius de Moraes e Nélson Motta num balcão de boteco, habitat natural dos citados. Noutra, uma escultural Leila Diniz saindo do mar de biquíni. Ou o momento mágico de um drible desconcertante de Mané Garrincha sobre um “joão” qualquer, lateral do Vasco da Gama. As fotos já valem a visita.
O chopp, Brahma ou Devassa, é muito bem tirado. Mas ainda tem clube do Whisky, cachaças artesanais, uma carta de caipirinhas, inclusive de saquê e os drinques clássicos variados, para os mais ecléticos. Os tiragostos são de dar gosto. Bolinho de arroz, coxinha de galeto, temakis, carne seca desfiada com mandioca, isca de peixe crocante, croquetes de carne, lula a dorê e grelhada, shimeji no alumínio......e os pratos também são excelentes. As chapas de boteco principalmente. A pequena dá pra duas pessoas. A grande pra quatro! Picanha, calabresa, mista, uma festa! E ainda tem a “chapa do mar”, com peixes, legumes, camarões, lulas e polvo. Sensacional! Acrescente-se a isso alguns escondidinhos variados, sandubas, pizzas e saladas. É para todos os gostos e tudo bem feito.
Mas eu acho que o verdadeiro atrativo do boteco está do lado de fora. Na casa que fica na esquina em frente (onde embaixo funciona um bar dos mesmos donos), existe uma imaculada parede branca onde antigamente filmes e jogos de futebol eram projetados, para o deleite de quem ocupava as mesas de calçada. Hoje, no mesmo espaço, é projetado o “cineboteco”, um canal de TV idealizado pelos donos da casa e de circuito espalhado por muitos bares da cidade. Lá é possível, inclusive, visualizar as charges do imortal “Tulípio”, personagem criado por meu amigo Eduardo Rodrigues, já famoso em vários lugares do Brasil. Bacana demais! Aldir Blanc e Jaguar são fãs. Precisa falar mais?
Para por fim ao palavrório, se Copacabana hoje sobrevive porque não presta atenção às suas impossibilidades, como disse L. F. Veríssimo, o Posto 6 sobrevive condignamente num oceano de botecos justamente por prestar muita atenção às suas possibilidades.
É só passar uma tarde lá para conferir!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

TALAGADA NOTURNA.

MATRIZ OU FILIAL?


A dúvida que assaltou Lúcio Cardim, o autor da música (ou a musa dele), por vezes também me atropela. Após a era de ouro do Clube do Choro e do Vou Vivendo, ambos competentemente capitaneados pelos irmãos Altmann, restou um buraco negro na noite paulistana. É certo que nesse momento outros bares estavam tentando preencher o vácuo e alguns até atingiram o seu intento. Por outro lado, até o ano 2000 (lá se vão onze anos de glória) por mais inacreditável que pareça, não existia na Vila Madalena um bar sequer onde se pudesse saborear um chopp decente. Isso até a inauguração do Filial (Rua Fidalga, 254) pelos mesmos irmãos Altmann, que bem lá no comecinho chamava-se Filial do Chopp (a abreviação do nome não abreviou as qualidades). Mas naquele momento o Filial era matriz, porque na verdade, não existia uma matriz.
O talento do bar logo se revelou. O melhor fim de noite de São Paulo e até hoje ele fomenta essa fama. Não é difícil descobrir o motivo. Basta chegar lá as duas da manhã em qualquer dia da semana para verificar que a casa está fervilhando, com espera no apertado balcão. E fica aberta até o último chato.
Não pense você que passará pelo constrangimento traumatizante de assistir os garçons colocando as cadeiras sobre as mesas e jogando água no seu sapato novo enquanto você pede desesperadamente a saideira e a conta (pela oitava vez). Lá isso definitivamente não acontece! Se acontecer é sinal de que morreu alguém.
O chopp, como já ficou nas entrelinhas, é muito bem tirado e gelado. As comidas são um espetáculo, como diria meu amigo Ildo do Cavaco. Eu adorava o “Prego com Martelo” (sanduíche de filé, queijo derretido e presunto cru) que parece ter saído do cardápio mas ainda é encontrado no filial do Filial (Bar Genial, mas isso já é outra história). O ideal é chegar lá com fome de dois dias e pedir logo o “Prato de Mãe” número 1 (existem mais duas versões). Arrozfeijãofiléovofritoefritas! Ma-ra-vi-lho-so!
Mas o cardápio é vasto e pode ser encontrado na íntegra no site (bacana) do bar (pesquise no google oras bolas!).
Eu ainda recomendo as batatas fritas com ovos estrelados, as frigideiras de arroz (risotos e afins), o estrogonofe Filial e o prosaico filé com fritas mas isso é questão de gosto pessoal.
Dificilmente você não encontrará algum famoso em uma das mesas (ou vários ao mesmo tempo). Cantores, músicos, jornalistas esportivos e outros espécimes de animais noturnos. Nos dias de semana, a turma toda do CartãoVerde (TV Cultura) faz ponto lá, depois do programa. Meu amigo Vladir Lemos, Xico Sá, um ou outro convidado e o Dr. Sócrates comandando o meio de campo e o chopp. Já vi o Raí por lá também trocando passes com o irmão mais velho (informação importante para as leitoras). Não costumam levantar a bunda da cadeira antes das 3 da matina!
O bar funciona durante o dia também, mas é depois da meia-noite que ele cumpre a sua nobre função com galhardia. O escritor renascentista Leão de Módena disse que “a noite foi feita para podermos refletir no que fizemos durante o dia”. Eu acrescentaria “e ir ao Filial”, ainda que você espere duas horas por uma mesa!

sexta-feira, 10 de junho de 2011

TALAGADA LUDOPÉDICA.

NA CASA DO SANTO

São Cristóvão (em grego: Άγιος Χριστόφορος, em latim: Christophorus) é um santo venerado por católicos e cristãos ortodoxos, classificado como mártir morto durante o reinado de Décio, imperador romano do século III. Apesar de ser um dos santos mais populares do mundo, muito pouco se sabe sobre sua vida. Além de ser padroeiro dos solteiros (não posso pedir mais nada a ele) e motoristas, é nome de time de futebol do Rio de Janeiro, cuja maior glória e talvez única, já que seu último campeonato estadual foi o de 1926, foi ter revelado ao mundo o Fenômeno recém aposentado. Que me perdoe a sua grande torcida.
Em São Paulo o São Cristóvão Futebol e Regatas está condignamente representado por um boteco bacana, evidentemente chamado Bar São Cristóvão (Rua Aspicuelta, 533).
Nem que você não queira beber e nem comer nada o bar vale a visita. Você pode entrar, olhar as paredes e sair fingindo que não encontrou mesa vaga. Isso porque existem 3.500 fotos, flâmulas e camisetas, todos esses itens relacionados ao nobre esporte bretão.
Se você resolver ficar, vai se dar bem. Mas é aconselhável levar ao bar um ou mais amigos que sejam apaixonadamente desvairados pelo assunto futebol. Olhando as fotos nas paredes certamente as discussões vão surgir e quem odeia futebol vai ficar entediado. O gol “mano de diós” de Maradona, a linha média do Santos dos anos 60, com Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, o Botafogo de Didi e Garrincha, o Flamengo da era Zico, o Real Madri dos tempos de Puskas e Di Stefano, o Barcelona de Cruiff, Romário, Rivaldo, a gloriosa Academia alviverde de Ademir da Guia, a flâmula do Ybis Futebol Clube (o pior time do mundo!), charges da revista Placar dos anos 70, tudo isso está lá! Para quem gosta da história do futebol, como eu por exemplo, o bar é um mini museu.
Se você resolver beber, não vai se arrepender. O chope Brahma é razoavelmente bem tirado e as cachaças são as bacaninhas de praxe. Se quiser comer também vai gostar. Os pratos são ótimos. Filé a Oswaldo Aranha, caldinho de feijão carioca, bacalhau desfiado com feijão fradinho e algumas massas e empadões goianos dão conta do recado e da fome.
Aos sábados uma feijoada bem boa é servida e aos domingos tem roda de samba com algumas figuras carimbadas do gênero. Mas em dias normais é possível encontrar a nata do jornalismo esportivo da televisão e do rádio. Já vi equipes inteiras da Globo, SporTv e ESPN se refestelando no chope. Nada mais óbvio! Certamente eles não freqüentariam um bar cujo tema fosse o empolgante curling.
O serviço é eficiente e simpático e o ambiente agradável e despojado. Tem, enfim, tudo para ser um bar a ser freqüentado regularmente. Os preços é que já foram melhores, mas depois da explosão de botecos nas vizinhanças a tendência foi que eles explodissem também. Portanto, cuidado!
Evite ainda os dias em que algumas bandas de jazz e de salsa se apresentam na casa (segundas-feiras, creio). O ambiente é pequeno e o volume da música ao vivo é compatível com o do Credicard Hall. Ninguém consegue conversar e nem se entender. Você corre o risco de levar um soco se disser alto a frase: “em 68 o Corinthians acabou com o tabu”!
No geral, entretanto, é um boteco altamente recomendável aos loucos por futebol (menos os nerds do programa de TV homônimo, peloamordedeus!), mesmo porque, como mui apropriadamente dizia Oswald de Andrade, “Quem negará ao futebol esse condão da catarse circense com que os velhos sabidos de Roma lambuzavam o pão triste das massas?”

sexta-feira, 3 de junho de 2011

TALAGADA ESQUÁLIDA.

MAGRO DE RUINDADE?



O genial Nelson Rodrigues disse que “todo canalha é magro”. O que nem de perto significa que todo magro seja canalha! Pelo contrário. Conheço vários magros (e gordos também) que são a fina flor da gentileza e da honestidade. Eu mesmo já mereci a alcunha de “Magrão”, há 25 quilos atrás.
Tirando o ex-jogador Sócrates, conheço outro Magrão que também é gente “finíssima”. Seu nome é Luiz Antonio Sampaio e ele é dono do excelente “Bar do Magrão” (Rua Agostinho Gomes, 2.988). Quem disse que não existem bons bares no Ipiranga?!
Para começo de conversa é um boteco de esquina, o que já o habilita a entrar no seleto mundo dos autênticos. Pelo menos os autênticos de esquina. A decoração é caoticamente perfeita e não foi idealizada por nenhum “arquiteto de interiores” mas pelo próprio dono. Mais um ponto. Nas paredes relógios antigos convivem com luvas de boxe, sapatos de palhaço e guitarras. São aqueles cacarecos que todos temos em casa e que os clientes foram levando pouco a pouco para presentear o bar. Pode soar estranho mas dá um clima único ao bar e não importa que o ambiente seja escuro e pequeno (é até melhor assim), o bar tem clima!
Como sói acontecer com os bares de minha preferência, existem no cardápio mais de setenta rótulos de cerveja, nacionais e importadas. Isso é bom.
A comida merece um capítulo separado. Isso porque espertamente (esperteza boa, que fique bem claro), o dono percebeu que tinha público para abrir uma cantina ao lado do bar. Foi o que ele fez! E quando eu digo ao lado quero dizer parede meia. Tanto que o bar tem passagem interna para a cantina e, obviamente, vice-versa. É a Cantina do Magrão que já foi descrita como um lugar para NÃO levar seu tio rico nem impressionar uma namorada. É, pelo contrário, uma daquelas espeluncas de filmes de Máfia (como na cena do restaurante em O Poderoso Chefão I), com decoração também sui generis (não espere bandeirolas da Itália e nem falsos varais com roupa estendida) onde se come pasta e carne decente, se bebe barato e se pode ficar quieto na penumbra. Os pratos tem, como não poderia deixar de ser, acento cantineiro, com destaque para o molho de calabresa.
Exceção feita a algum ou outro deslize da casa, eu reputo como um programão bem bacana para um sábado a noite: Comer uma boa massa na Cantina e depois se acabar de cerveja no bar contíguo, e, mesmo que a ordem dos tratores não altere o viaduto é sempre recomendável encher a lata de bucho cheio!
E nunca esqueça de que, provavelmente, você mora longe de lá (é o meu caso) e, provavelmente, vai ter de voltar dirigindo o seu possante, driblando a plêiade de comandos e radares espalhados na cidade só para tirar a sua alegria de viver e relembrar que todo prazer tem um preço!
No mais, se não for o caso descrito acima, beba à vontade, mesmo porque o escritor inglês Thomas Love Peacock já disse que “Há duas razões para beber: a primeira quando estamos com sede, é curá-la; a segunda é quando não estamos com sede, é preveni-la....a prevenção é melhor que a cura”!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

TALAGADA CENTRALIZADA.

NA PRAÇA DO ANTONICO

Talvez, apenas talvez, eu tenha nascido no Brasil por causa de um senhor barbudo que viveu no final do século 19 e início do 20, cujo apelido carinhoso era Antonico. Nas altas esferas sociais da época, entretanto, era conhecido como o Conselheiro Antonio Prado, filho da aristocracia cafeeira de São Paulo, abolicionista de carteirinha e grande incentivador da imigração italiana no Estado, para substituir de maneira barata os escravos recém libertos, como todos sabem!
Não à toa, ele virou nome de praça na cidade e uma das mais agradáveis, lá no centrão velho, bem ao lado do outrora cartão postal Edifício Martinelli. Eu simplesmente adoro o centro de São Paulo e, em especial, a Praça Antonio Prado (antigo Largo do Rosário) que já foi um lugar bastante sofisticado, com distintos senhores de cartola e bengala passeando com suas senhouras de vestidão e sombrinha. Que bom seria se os prefeitos gostassem da cidade como eu gosto e resolvessem recuperar o centro, como todos prometeram e não cumpriram, em vez de olhar apenas para os Jardins e para o Morumbi! Que bom seria se os prédios antigos parassem de ser derrubados para se erguer sei lá o que em seus lugares de direito. Mas o sonho não morreu. Quem sabe um dia?!
Pois naquela praça, em frente ao coreto, existe desde 2006 um imponente bar e cervejaria chamado Salve Jorge Centro (Praça Antonio Prado, 33), filial do homônimo bar da Vila Madalena.
O bar nasceu em homenagem aos “Jorges” famosos. De Benjor a Amado, passando pelo santo padroeiro daquele time cujo nome só pronuncio em último caso, todos estão representados em fotos e quadros nas paredes. Os lustres de cristal, enormes e imponentes, misturados com garrafas de cerveja penduradas dão um clima legal ao ambiente. O andar superior é melhor e mais animado. Sem contar que tem música ao vivo em algumas noites da semana e no almoço de sábado, mas a qualidade da música é mais irregular que o ataque da seleção brasileira.
As cervejas e o chope são razoáveis e o cardápio interessante (já foi mais). Massas, carnes, saladas e alguns petiscos dão conta do recado. Mas inexplicavelmente (nunca ouvi um argumento convincente) os preços do Centro são mais baixos do que o da sede da Vila Madalena, sendo que o bar do centro é infinitamente mais agradável, maior e melhor decorado. Vai explicar!!!
O serviço é, e sempre foi, extremamente simpático. Principalmente nos dias em que o bar não está muito cheio. Os garçons, em sua maioria, já passaram pela Vila Madalena e adquiriram o expertise e a simpatia do bairro.
Mas a grande e insuperável vantagem que o bar tem, na minha modesta opinião, é a praça que lhe empresta a morada. Nas horas felizes das sextas-feiras, por exemplo, dezenas de mesas são espalhadas na praça, por entre árvores centenárias, o coreto e as bancas de engraxates e beber ali, tendo como paisagem o já citado Martinelli, a antiga bolsa de valores, o prédio do ex-banespa e o início da avenida São João é uma das poucas coisas mágicas que a cidade ainda oferece. Sem contar que na hora do almoço o coreto abriga bons grupos de chorinho!
Nesses momentos é inevitável se desejar um túnel do tempo que nos levasse de volta à São Paulo de outrora, de plátanos nostálgicos e crepúsculos de seda japonesa, de longas ruas de casas baixas e de um triângulo provinciano, como destacou Sérgio Milliet.
Ou então, à São Paulo retratada nas paródias cheias de inventividade do escritor paulista Juó Bananere, que imitando os italianos recém chegados recitou: “Tegno sodade, ai de ti – Zan Baolo! Terra chi io vivo sempre n´um martiro, vagabundeando come um begiaflore, atraiz das figlia du Bó Ritiro”.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

TALAGADA LITERÁRIA

MEU XARÁ AINDA ESTÁ LÁ!


Mário, o de Andrade, morava na Rua Lopes Chaves, na gloriosa Barra Funda. Meus avós também moraram lá por muitos anos, num prediozinho hoje pintado de cor salmão!
Mário, o de Andrade, imortalizou a rua em alguns de seus poemas. Assim como eu adoro morar na Fradique Coutinho, parece que ele gostava muito de morar lá: “Quando eu morrer quero ficar, Não contem aos meus inimigos, Sepultado em minha cidade, Saudade. Meus pés enterrem na rua Aurora, No Paissandu deixem meu sexo, Na Lopes Chaves a cabeça. Esqueçam.”
Tudo na Rua Lopes Chaves transpira uma São Paulo que não existe mais. Desde o final da rua, que acaba na linha do trem, cujo muro servia de gol no futebol que se jogava sobre os paralelepípedos da minha infância, até os botecos pé-sujos de esquina e as casinhas erguidas nos anos 40, 50, 60....
Numa dessas casinhas (que depois se revela um casarão por dentro), mais precisamente no número 105, fica o restaurante “Bia Braga Sabores”, ou calorosamente conhecido como “Feijoada da Bia”. Difícil achar um lugar mais simpático!
Mário, o de Andrade, nunca foi lá e nem sua cabeça foi encontrada mas eu, seu orgulhoso xará, fui conhecer o lugar num domingo a tarde, incumbido desta árdua tarefa de descobrir lugares bacanas para depois contar aqui.
Aos sábados a casa oferece uma, dizem, ótima feijoada, ao som de um grupo de chorinho. Aos domingos é o povo do samba que aparece, samba que tem robustas raízes no famoso bairro. Uma roda capitaneada por alguns integrantes do ótimo grupo “Inimigos do Batente”, como o meu amigo Paulinho Timor, por exemplo, anima o almoço. Até o compositor Sílvio Modesto apareceu.
Para quem não é amigo do feijão, a casa oferece outros pratos da cozinha brasileira: bobó de camarão, filé de tilápia, e petiscos variados são boas opções. De sobremesa, são servidos sorvetes com calda de carambola, banana frita ou doce de jaca, entre outras maravilhas.
As cachaças mineiras, descobertas pela dona do lugar em suas andanças pelas gerais, são um convite ao exagero. Muito boas!
O velho casarão, decorado como uma casa de fazenda antiga, é extremamente acolhedor e uma varanda na frente, com algumas mesas, é um excelente lugar para assistir o domingo ir se transformando em quase segunda-feira.
Parece que alguns “famosos” já descobriram o lugar. Simoninha, Ignácio de Loyola Brandão, Dr. Dráusio Varella (garantia de que lá não se fuma de jeito nenhum, hahá, e que só se trabalha com produtos saudáveis), são alguns que costumam dar as caras. Mas não importa. Os “não famosos” são muito mais simpáticos, incluindo os falantes garçons!
Mário, o de Andrade, se vivo fosse certamente freqüentaria o restaurante. Imagino e adoro imaginar que em dias mais calmos ele até aparece por lá, entrando em passos lentos, quieto, passeando o olhar longamente em tudo até escolher uma mesinha no canto, meio isolada.
Como seria bom conversar um pouco com ele e saber como vão as coisas!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

TALAGADA HEMOFÁGICA.

 A COSTA DO MOSQUITO

Para quem ligou a TV agora, eu não sou crítico de cinema! Não vou falar sobre o filme homônimo do Peter Weir. Por incrível que o título de hoje possa sugerir, vou falar de um bar, como aliás sempre faço aqui! Vocês imaginam o que vem? Pois é, vamos lá!
Esses serezinhos desagradáveis, que sugam o nosso sangue (estou falando de mosquitos e não de algumas ex-namoradas), que às vezes são inofensivos mas às vezes são aedes egypti, aparecem em profusão em certos lugares. Geralmente nos mais inesperados e, pior, sem convite. Passemos à explicação do episódio:
Pelos idos do longínquo ano de 2003, lá na Rua Cotoxó, Vila Pompéia, começou a onda dos espetinhos num bar chamado “Casa do Espeto”. O grande atrativo da casa era o vasto quintal a céu aberto no fundo, com mesinhas debaixo de árvores vintenárias e, logicamente, a grande variedade de espetinhos, salgados e doces. Carne, frango, vegetais, camarão, picanha, lingüiça apimentada, uva, banana e abacaxi com chocolate, tudo o que fosse comível era trespassado pela varinha de madeira e levado à grelha. Uma espécie de “robata tupiniquim”. A cerveja era gelada, o serviço era marromenos e a música ao vivo uma verdadeira catástrofe tsunâmica, mas eu e a minha patroa, num exercício de altruísmo e masoquismo, gostávamos de lá e lá estivemos diversas vezes.
Qual não foi a minha estupefação ao saber que a casa gerou diversos filhotes e que um deles foi recentemente aberto bem pertinho de minha casa?! (Rua Mourato Coelho, 1.022). Pois no último domingo lá estivemos na hora do almoço, eu, patroa, patroinha e um casal de amigos, esperando o mesmo padrão mediano do estabelecimento mãe. A casa, para seguir a idéia da sede, é enorme e tem uma vasta área ao ar livre no fundo, onde não se pode fumar (e a lei, e a lei???). É tudo muito bonito e tem diversos telões onde se pode assistir aos jogos de futebol na amistosa companhia de corintianos e sãopaulinos, como aconteceu naquele dia. Até aí beleza (ou não, sei lá)!
A primeira má impressão veio do fato de que a casa estava quase vazia e eu deveria ter levado o meu desconfiômetro digital para saber que isso era um péssimo sinal!
Antes dos garçons perceberem que estávamos lá, o que levou uns 10 minutos, os mosquitos anfitriões se encarregaram de fazer a recepção. A minha canela se transformou rapidamente na refeição deles, ou no “espetinho” deles. Minha esposa teve que sair correndo até a farmácia mais próxima para comprar repelente e isso não é exagero! Quando informamos ao garçon que os mosquitos estavam coletando vasto material para o banco de sangue deles, ele deu um sorriso febre - amarelo e disse: ´”é, aqui é assim mesmo”. Como assim mesmo?????? Uma horda de mosquitos famintos atacando à luz do dia em plena Vila Madalena???????? Um arrastão sanguinofágico????
Mas, absurdamente, o pior ainda não tinha chegado e chegou com os espetos frios, extremamente mal passados e sem graça. Bem diferentes dos espetos da casa original, eles passaram de “robata” a “roubada” num piscar dólhos. O atendimento então foi péssimo, do início ao fim. Já vi sargentos do Bope mais simpáticos e coveiros góticos mais animados do que os garçons de lá. Sem contar que deveriam distribuir uma vuvuzela na entrada do estabelecimento, para que os fregueses conseguissem chamar a atenção deles. Isso porque, apenas em tese, o sistema de serviço é em rodízio! Pode-se afirmar, sem medo de errar, que o melhor daquela aventura vespertina foi a cerveja morna! Mas talvez um dia eu volte lá, apenas para confirmar se o lugar continua sendo horrível, ou se já evoluiu para o nível péssimo!
Quem me lê habitualmente sabe que gosto de terminar meus textos aqui na coluna com frases bombásticas dos grandes mestres. Para não decepcionar ninguém, hoje só consigo lembrar do maravilhoso Mark Twain que dizia: “Em certas circunstâncias, um palavrão provoca um alívio inatingível até pela oração”!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

TALAGADA FABULOSA.

O PULO DO GATO

Todos sabem que as fábulas são narrativas fictícias que visam dar representação concreta principalmente a um conceito moral, procurando sempre emprestar uma característica real àquilo que é fantástico. Geralmente as fábulas transferem para os animais as qualidades e sentimentos próprios do homem, fazendo largo emprego da prosopopéia, a figura de linguagem que dá movimento, ação, vida e voz a coisas inanimadas. Os fabulistas ocidentais antigos nos deixaram obras sensacionais, e dentre eles, o grande divulgador certamente foi o grego Esopo (século VI a.C.), considerado o inventor do gênero. Na Idade Média, La Fontaine reviveu esse tipo de literatura com características inerentes à época. Também no Brasil podem ser encontrados registros de fábulas assemelhadas, como a da onça, que admirada com a habilidade demonstrada pelo gato, pediu-lhe que a ensinasse a saltar e pular da mesma forma como fazia. O gato então passou a dar aulas à onça, até que esta, achando que já era doutora no assunto, resolveu jantar o seu professor. Mas no momento em que deu o bote, o jantar pulou para trás e desapareceu do cenário. Dias depois, os dois animais se reencontraram, e foi então que a onça comentou meio sem jeito: “É, amigo gato, aquele pulo você não me ensinou!” E o bichano demonstrando a malandragem brasileira respondeu: “Pois é, dona onça, graças a ele é que estou vivo até hoje”.

Daí nasceu a expressão “o pulo do gato”, para alertar de que nem tudo deve ser ensinado ao aprendiz, sob pena de amanhã ele pretender substituir o mestre. Também daí se originou a figura da “Dona Onça” e esta imensa e enfadonha introdução é justamente para falar do “Bar da Dona Onça” (Avenida Ipiranga, 200 – lojas 27/29) que, aliás, não tem esse nome por causa da fábula e sim em razão do apelido do marido da dona. Pois é, voltamos ao velho centro da cidade!

Quando projetou o Edifício Copan nos anos 50, Oscar Niemeyer certamente ainda não sabia que o seu prédio de conceito arquitetônico revolucionário, projetado para lembrar a bandeira paulista tremulando, iria abrigar no andar térreo um bar tão interessante. A começar da decoração, mezzo moderna / mezzo nostálgica, aproveitando as estruturas do sexagenário salão. A cozinha fica no mezanino e o vidro que a separa do resto do ambiente nos permite ver os artistas trabalhando. E dali saem maravilhas! Os petiscos são de matar de emoção! Filé a parmegiana aperitivo, sardinhas espalmadas (empanada só na farinha de trigo), o classicão coquetel de camarão, moelinhas de frango ao molho, lingüiças artesanais, almôndegas à moda antiga e uma “mini-rabada” que, para mim, é uma das coisas mais bem feitas e saborosas que já experimentei num bar.

Os pratos também são absolutamente originais e bem realizados. Leiam esse parágrafo com moderação e procurem não babar. Cazuela de frutos do mar à espanhola, Camarão com chuchu e farofa de ovos, arroz de suã (para quem não sabe, a coluna vertebral do porco, com pedaços do lombo), carne moída refogada com azeitona e ovo, frango com quiabo, porco à milanesa com purê de batatas e alho negro, dobradinha e língua de boi ao molho madeira, são apenas alguns exemplos do extenso e inusitado cardápio. A chef e proprietária do pedaço, Janaina Rueda, explica que começou a cozinhar para o marido, Jefferson Rueda (também chef e proprietário do ótimo restaurante Pomodori, no Itaim), para que este não precisasse cozinhar em casa, depois do trabalho. E gosta de cozinhar tudo na panela de pressão, o que parecia ser um crime culinário para mim. Ela provou que não é, mas o “pulo do gato” eu não sei. De quebra, o cardápio ainda tem ótimas sopas (a de cebola com músculo me parece uma ótima pedida) e as massas artesanais e excelentes do restaurante do maridão. É um templo de louvor à culinária simples e caseira, levado às últimas conseqüências.

Para fechar, o bar tem uma ótima carta de cervejas, com 26 rótulos e ótimas sobremesas. Nem precisava (ou melhor, precisava sim!). O grande pensador Voltaire dizia que “não há prazeres verdadeiros senão com necessidades verdadeiras”. Acreditem, depois da primeira visita que é um grande prazer aos sentidos, voltar ao Bar da Dona Onça se transforma em necessidade!!!