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sexta-feira, 27 de maio de 2011

TALAGADA CENTRALIZADA.

NA PRAÇA DO ANTONICO

Talvez, apenas talvez, eu tenha nascido no Brasil por causa de um senhor barbudo que viveu no final do século 19 e início do 20, cujo apelido carinhoso era Antonico. Nas altas esferas sociais da época, entretanto, era conhecido como o Conselheiro Antonio Prado, filho da aristocracia cafeeira de São Paulo, abolicionista de carteirinha e grande incentivador da imigração italiana no Estado, para substituir de maneira barata os escravos recém libertos, como todos sabem!
Não à toa, ele virou nome de praça na cidade e uma das mais agradáveis, lá no centrão velho, bem ao lado do outrora cartão postal Edifício Martinelli. Eu simplesmente adoro o centro de São Paulo e, em especial, a Praça Antonio Prado (antigo Largo do Rosário) que já foi um lugar bastante sofisticado, com distintos senhores de cartola e bengala passeando com suas senhouras de vestidão e sombrinha. Que bom seria se os prefeitos gostassem da cidade como eu gosto e resolvessem recuperar o centro, como todos prometeram e não cumpriram, em vez de olhar apenas para os Jardins e para o Morumbi! Que bom seria se os prédios antigos parassem de ser derrubados para se erguer sei lá o que em seus lugares de direito. Mas o sonho não morreu. Quem sabe um dia?!
Pois naquela praça, em frente ao coreto, existe desde 2006 um imponente bar e cervejaria chamado Salve Jorge Centro (Praça Antonio Prado, 33), filial do homônimo bar da Vila Madalena.
O bar nasceu em homenagem aos “Jorges” famosos. De Benjor a Amado, passando pelo santo padroeiro daquele time cujo nome só pronuncio em último caso, todos estão representados em fotos e quadros nas paredes. Os lustres de cristal, enormes e imponentes, misturados com garrafas de cerveja penduradas dão um clima legal ao ambiente. O andar superior é melhor e mais animado. Sem contar que tem música ao vivo em algumas noites da semana e no almoço de sábado, mas a qualidade da música é mais irregular que o ataque da seleção brasileira.
As cervejas e o chope são razoáveis e o cardápio interessante (já foi mais). Massas, carnes, saladas e alguns petiscos dão conta do recado. Mas inexplicavelmente (nunca ouvi um argumento convincente) os preços do Centro são mais baixos do que o da sede da Vila Madalena, sendo que o bar do centro é infinitamente mais agradável, maior e melhor decorado. Vai explicar!!!
O serviço é, e sempre foi, extremamente simpático. Principalmente nos dias em que o bar não está muito cheio. Os garçons, em sua maioria, já passaram pela Vila Madalena e adquiriram o expertise e a simpatia do bairro.
Mas a grande e insuperável vantagem que o bar tem, na minha modesta opinião, é a praça que lhe empresta a morada. Nas horas felizes das sextas-feiras, por exemplo, dezenas de mesas são espalhadas na praça, por entre árvores centenárias, o coreto e as bancas de engraxates e beber ali, tendo como paisagem o já citado Martinelli, a antiga bolsa de valores, o prédio do ex-banespa e o início da avenida São João é uma das poucas coisas mágicas que a cidade ainda oferece. Sem contar que na hora do almoço o coreto abriga bons grupos de chorinho!
Nesses momentos é inevitável se desejar um túnel do tempo que nos levasse de volta à São Paulo de outrora, de plátanos nostálgicos e crepúsculos de seda japonesa, de longas ruas de casas baixas e de um triângulo provinciano, como destacou Sérgio Milliet.
Ou então, à São Paulo retratada nas paródias cheias de inventividade do escritor paulista Juó Bananere, que imitando os italianos recém chegados recitou: “Tegno sodade, ai de ti – Zan Baolo! Terra chi io vivo sempre n´um martiro, vagabundeando come um begiaflore, atraiz das figlia du Bó Ritiro”.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

TALAGADA LITERÁRIA

MEU XARÁ AINDA ESTÁ LÁ!


Mário, o de Andrade, morava na Rua Lopes Chaves, na gloriosa Barra Funda. Meus avós também moraram lá por muitos anos, num prediozinho hoje pintado de cor salmão!
Mário, o de Andrade, imortalizou a rua em alguns de seus poemas. Assim como eu adoro morar na Fradique Coutinho, parece que ele gostava muito de morar lá: “Quando eu morrer quero ficar, Não contem aos meus inimigos, Sepultado em minha cidade, Saudade. Meus pés enterrem na rua Aurora, No Paissandu deixem meu sexo, Na Lopes Chaves a cabeça. Esqueçam.”
Tudo na Rua Lopes Chaves transpira uma São Paulo que não existe mais. Desde o final da rua, que acaba na linha do trem, cujo muro servia de gol no futebol que se jogava sobre os paralelepípedos da minha infância, até os botecos pé-sujos de esquina e as casinhas erguidas nos anos 40, 50, 60....
Numa dessas casinhas (que depois se revela um casarão por dentro), mais precisamente no número 105, fica o restaurante “Bia Braga Sabores”, ou calorosamente conhecido como “Feijoada da Bia”. Difícil achar um lugar mais simpático!
Mário, o de Andrade, nunca foi lá e nem sua cabeça foi encontrada mas eu, seu orgulhoso xará, fui conhecer o lugar num domingo a tarde, incumbido desta árdua tarefa de descobrir lugares bacanas para depois contar aqui.
Aos sábados a casa oferece uma, dizem, ótima feijoada, ao som de um grupo de chorinho. Aos domingos é o povo do samba que aparece, samba que tem robustas raízes no famoso bairro. Uma roda capitaneada por alguns integrantes do ótimo grupo “Inimigos do Batente”, como o meu amigo Paulinho Timor, por exemplo, anima o almoço. Até o compositor Sílvio Modesto apareceu.
Para quem não é amigo do feijão, a casa oferece outros pratos da cozinha brasileira: bobó de camarão, filé de tilápia, e petiscos variados são boas opções. De sobremesa, são servidos sorvetes com calda de carambola, banana frita ou doce de jaca, entre outras maravilhas.
As cachaças mineiras, descobertas pela dona do lugar em suas andanças pelas gerais, são um convite ao exagero. Muito boas!
O velho casarão, decorado como uma casa de fazenda antiga, é extremamente acolhedor e uma varanda na frente, com algumas mesas, é um excelente lugar para assistir o domingo ir se transformando em quase segunda-feira.
Parece que alguns “famosos” já descobriram o lugar. Simoninha, Ignácio de Loyola Brandão, Dr. Dráusio Varella (garantia de que lá não se fuma de jeito nenhum, hahá, e que só se trabalha com produtos saudáveis), são alguns que costumam dar as caras. Mas não importa. Os “não famosos” são muito mais simpáticos, incluindo os falantes garçons!
Mário, o de Andrade, se vivo fosse certamente freqüentaria o restaurante. Imagino e adoro imaginar que em dias mais calmos ele até aparece por lá, entrando em passos lentos, quieto, passeando o olhar longamente em tudo até escolher uma mesinha no canto, meio isolada.
Como seria bom conversar um pouco com ele e saber como vão as coisas!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

TALAGADA HEMOFÁGICA.

 A COSTA DO MOSQUITO

Para quem ligou a TV agora, eu não sou crítico de cinema! Não vou falar sobre o filme homônimo do Peter Weir. Por incrível que o título de hoje possa sugerir, vou falar de um bar, como aliás sempre faço aqui! Vocês imaginam o que vem? Pois é, vamos lá!
Esses serezinhos desagradáveis, que sugam o nosso sangue (estou falando de mosquitos e não de algumas ex-namoradas), que às vezes são inofensivos mas às vezes são aedes egypti, aparecem em profusão em certos lugares. Geralmente nos mais inesperados e, pior, sem convite. Passemos à explicação do episódio:
Pelos idos do longínquo ano de 2003, lá na Rua Cotoxó, Vila Pompéia, começou a onda dos espetinhos num bar chamado “Casa do Espeto”. O grande atrativo da casa era o vasto quintal a céu aberto no fundo, com mesinhas debaixo de árvores vintenárias e, logicamente, a grande variedade de espetinhos, salgados e doces. Carne, frango, vegetais, camarão, picanha, lingüiça apimentada, uva, banana e abacaxi com chocolate, tudo o que fosse comível era trespassado pela varinha de madeira e levado à grelha. Uma espécie de “robata tupiniquim”. A cerveja era gelada, o serviço era marromenos e a música ao vivo uma verdadeira catástrofe tsunâmica, mas eu e a minha patroa, num exercício de altruísmo e masoquismo, gostávamos de lá e lá estivemos diversas vezes.
Qual não foi a minha estupefação ao saber que a casa gerou diversos filhotes e que um deles foi recentemente aberto bem pertinho de minha casa?! (Rua Mourato Coelho, 1.022). Pois no último domingo lá estivemos na hora do almoço, eu, patroa, patroinha e um casal de amigos, esperando o mesmo padrão mediano do estabelecimento mãe. A casa, para seguir a idéia da sede, é enorme e tem uma vasta área ao ar livre no fundo, onde não se pode fumar (e a lei, e a lei???). É tudo muito bonito e tem diversos telões onde se pode assistir aos jogos de futebol na amistosa companhia de corintianos e sãopaulinos, como aconteceu naquele dia. Até aí beleza (ou não, sei lá)!
A primeira má impressão veio do fato de que a casa estava quase vazia e eu deveria ter levado o meu desconfiômetro digital para saber que isso era um péssimo sinal!
Antes dos garçons perceberem que estávamos lá, o que levou uns 10 minutos, os mosquitos anfitriões se encarregaram de fazer a recepção. A minha canela se transformou rapidamente na refeição deles, ou no “espetinho” deles. Minha esposa teve que sair correndo até a farmácia mais próxima para comprar repelente e isso não é exagero! Quando informamos ao garçon que os mosquitos estavam coletando vasto material para o banco de sangue deles, ele deu um sorriso febre - amarelo e disse: ´”é, aqui é assim mesmo”. Como assim mesmo?????? Uma horda de mosquitos famintos atacando à luz do dia em plena Vila Madalena???????? Um arrastão sanguinofágico????
Mas, absurdamente, o pior ainda não tinha chegado e chegou com os espetos frios, extremamente mal passados e sem graça. Bem diferentes dos espetos da casa original, eles passaram de “robata” a “roubada” num piscar dólhos. O atendimento então foi péssimo, do início ao fim. Já vi sargentos do Bope mais simpáticos e coveiros góticos mais animados do que os garçons de lá. Sem contar que deveriam distribuir uma vuvuzela na entrada do estabelecimento, para que os fregueses conseguissem chamar a atenção deles. Isso porque, apenas em tese, o sistema de serviço é em rodízio! Pode-se afirmar, sem medo de errar, que o melhor daquela aventura vespertina foi a cerveja morna! Mas talvez um dia eu volte lá, apenas para confirmar se o lugar continua sendo horrível, ou se já evoluiu para o nível péssimo!
Quem me lê habitualmente sabe que gosto de terminar meus textos aqui na coluna com frases bombásticas dos grandes mestres. Para não decepcionar ninguém, hoje só consigo lembrar do maravilhoso Mark Twain que dizia: “Em certas circunstâncias, um palavrão provoca um alívio inatingível até pela oração”!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

TALAGADA FABULOSA.

O PULO DO GATO

Todos sabem que as fábulas são narrativas fictícias que visam dar representação concreta principalmente a um conceito moral, procurando sempre emprestar uma característica real àquilo que é fantástico. Geralmente as fábulas transferem para os animais as qualidades e sentimentos próprios do homem, fazendo largo emprego da prosopopéia, a figura de linguagem que dá movimento, ação, vida e voz a coisas inanimadas. Os fabulistas ocidentais antigos nos deixaram obras sensacionais, e dentre eles, o grande divulgador certamente foi o grego Esopo (século VI a.C.), considerado o inventor do gênero. Na Idade Média, La Fontaine reviveu esse tipo de literatura com características inerentes à época. Também no Brasil podem ser encontrados registros de fábulas assemelhadas, como a da onça, que admirada com a habilidade demonstrada pelo gato, pediu-lhe que a ensinasse a saltar e pular da mesma forma como fazia. O gato então passou a dar aulas à onça, até que esta, achando que já era doutora no assunto, resolveu jantar o seu professor. Mas no momento em que deu o bote, o jantar pulou para trás e desapareceu do cenário. Dias depois, os dois animais se reencontraram, e foi então que a onça comentou meio sem jeito: “É, amigo gato, aquele pulo você não me ensinou!” E o bichano demonstrando a malandragem brasileira respondeu: “Pois é, dona onça, graças a ele é que estou vivo até hoje”.

Daí nasceu a expressão “o pulo do gato”, para alertar de que nem tudo deve ser ensinado ao aprendiz, sob pena de amanhã ele pretender substituir o mestre. Também daí se originou a figura da “Dona Onça” e esta imensa e enfadonha introdução é justamente para falar do “Bar da Dona Onça” (Avenida Ipiranga, 200 – lojas 27/29) que, aliás, não tem esse nome por causa da fábula e sim em razão do apelido do marido da dona. Pois é, voltamos ao velho centro da cidade!

Quando projetou o Edifício Copan nos anos 50, Oscar Niemeyer certamente ainda não sabia que o seu prédio de conceito arquitetônico revolucionário, projetado para lembrar a bandeira paulista tremulando, iria abrigar no andar térreo um bar tão interessante. A começar da decoração, mezzo moderna / mezzo nostálgica, aproveitando as estruturas do sexagenário salão. A cozinha fica no mezanino e o vidro que a separa do resto do ambiente nos permite ver os artistas trabalhando. E dali saem maravilhas! Os petiscos são de matar de emoção! Filé a parmegiana aperitivo, sardinhas espalmadas (empanada só na farinha de trigo), o classicão coquetel de camarão, moelinhas de frango ao molho, lingüiças artesanais, almôndegas à moda antiga e uma “mini-rabada” que, para mim, é uma das coisas mais bem feitas e saborosas que já experimentei num bar.

Os pratos também são absolutamente originais e bem realizados. Leiam esse parágrafo com moderação e procurem não babar. Cazuela de frutos do mar à espanhola, Camarão com chuchu e farofa de ovos, arroz de suã (para quem não sabe, a coluna vertebral do porco, com pedaços do lombo), carne moída refogada com azeitona e ovo, frango com quiabo, porco à milanesa com purê de batatas e alho negro, dobradinha e língua de boi ao molho madeira, são apenas alguns exemplos do extenso e inusitado cardápio. A chef e proprietária do pedaço, Janaina Rueda, explica que começou a cozinhar para o marido, Jefferson Rueda (também chef e proprietário do ótimo restaurante Pomodori, no Itaim), para que este não precisasse cozinhar em casa, depois do trabalho. E gosta de cozinhar tudo na panela de pressão, o que parecia ser um crime culinário para mim. Ela provou que não é, mas o “pulo do gato” eu não sei. De quebra, o cardápio ainda tem ótimas sopas (a de cebola com músculo me parece uma ótima pedida) e as massas artesanais e excelentes do restaurante do maridão. É um templo de louvor à culinária simples e caseira, levado às últimas conseqüências.

Para fechar, o bar tem uma ótima carta de cervejas, com 26 rótulos e ótimas sobremesas. Nem precisava (ou melhor, precisava sim!). O grande pensador Voltaire dizia que “não há prazeres verdadeiros senão com necessidades verdadeiras”. Acreditem, depois da primeira visita que é um grande prazer aos sentidos, voltar ao Bar da Dona Onça se transforma em necessidade!!!