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sexta-feira, 29 de abril de 2011

TALAGADA CONFORTÁVEL.

SUA EXCELÊNCIA O BOTECO DA ESQUINA



Em 1909 o conde alemão Ferdinand Von Zeppelin, um daqueles bigodudos empertigados que batiam os calcanhares das botas, fundou a Companhia Zeppelin e construiu mais de 100 dirigíveis. Alguns deles vieram para o Brasil e meu pai até hoje se lembra de ter visto um, em seus tenros 4 anos de idade, sobrevoando a Avenida São João.
A farra dos céus durou até 1937, quando o dirigível Hindemburg espatifou-se na torre de pouso, incendiou até a última molécula de gás hélio e causou a morte de 36 pessoas. E daí? Pergunta-se.
Já no século 21, cinco amigos se reuniram com o intuito de montar um boteco na Vila Madalena, num casarão de esquina onde funcionou nos anos 80/90 o lendário Bartolo. Então, durante a reunião, um dirigível da Goodyear fez um vôo rasante sobre eles. Some-se a este fato fortuito a paixão dos sócios pela banda de rock Led Zeppelin (uma das melhores de todos os tempos, ao lado de Beatles, Rollig Stones e Deep Purple) e o nome do boteco estava escolhido: Zeppelin Madalena! (Rua Aspicuelta – 524).
Hoje o bar rivaliza com os vizinhos e gigantes Posto 6, Salve Jorge e São Cristóvão. Não faz feio!
Como em qualquer assunto na vida, há quem ame e há quem odeie. Eu sou da turminha dos que amam. Explico:
Para começar o bar tem balcão e para mim bar que se preze tem de ter um bem aconchegante, para você poder contar sua vida ao bar man quando estiver sozinho ou com dor de corno!
Além da decoração e do clima do bar que é delicioso (principalmente para quem foi freqüentador assíduo do antecessor Bartolo), a chopeira é linda, o chopp Brahma é ótimo, a música ao vivo é melhor ainda e os garçons sempre simpáticos. Para quem eventualmente reclamar do serviço, recomendo uma auto-crítica para perceber se está tratando bem os garçons. Às vezes é uma questão de mera reciprocidade. Para algumas pessoas isso pode ser surpresa, mas eles também são gente e gente muito boa, no caso do Zeppelin!
A comida de boteco é boa. Clássicos como costela desossada com mandioca, picanha fatiada na chapa com shimeji, escondidinho de carne seca, bons sanduíches, boas porções e 50 boas cachaças para abrir o apetite.
Aos sábados uma feijoada é servida no almoço, embalada por música da melhor qualidade. Craques do choro como a internacional pandeirista Roberta Valente, o excelente cavaquinho de Ildo Silva, o ótimo Milton de Mori, ou Tachinha para os mais antigos, e algumas canjas incríveis como o acordeonista Bombarda ou o sensacional Luisinho Sete Cordas, entusiasmam a platéia.
Pois é justamente aos sábados durante o dia que ocorre uma feira livre naquela esquina e muita gente se senta na banca de pastéis, bem na janela do bar, e manda um bom pastel de palmito ao som de chorinho. Sensacional!
Dos cinco sócios, conheço dois. Babica e Pena, sempre gentis e preocupados com o  bem estar de todos. Além de serem ótimos batedores de papo!
Durante a semana, na hora feliz dos finais de tarde, existe a promoção do chopp em dobro, ou seja, você só paga a metade dos chopps que entornou.
Eu adoro sentar nas mesinhas da calçada, muitas vezes sozinho, e aproveitar a promoção do chopp em dobro até começar a ver tudo dobrado!
Recomendo fortemente!

sexta-feira, 22 de abril de 2011

TALAGADA AFETIVA.

UMA RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO

Não amigos. Esta coluna não se especializou subitamente em textos de auto-ajuda nem em conselheira sentimental. Quero falar hoje da relação de amor e ódio com o bar! Ou com UM bar especificamente. Senta que lá vem história!
Lá pelos idos de 1992 ou 1993, eu que era um voraz consumidor e comprador de discos de vinil, me rendi a um novo formato recém-chegado ao Brasil: Passei a ser um voraz comprador de CD´s. Pois bem. Lembro-me que bem perto da minha casa (pegado ao bar Zeppelin, na Fradique Coutinho) foi inaugurado um pequeno e simpaticíssimo café cujo apelo maior era um display na parede com alguns CD´s a venda. Uma novidade bacana na época! Apesar da indústria ainda incipiente, eram CD´s de muito bom gosto, com o quer havia de melhor na música brasileira e internacional. Além desse importante diferencial, as duas donas do “Café du Revê” eram moças simpáticas e bonitas, fato que aguçava ainda mais a minha vontade de passar de vez em quando por lá. E eu regularmente passei a freqüentar. Tomava um cafezinho (bom, por sinal, em tempos em que ninguém havia ouvido falar em baristas), batia um bom papo e sempre saia com dois ou três CD´s debaixo do braço. Até que um belo dia as duas moças não estavam mais por lá. No lugar delas um senhor negro, alto, simpático e com um chapéu típico africano, cujo codinome era Cidão! Ficamos amigos quase que instantaneamente, amizade que perdura até hoje. Conversei longamente com aquele senhor que me contou que fora recém aposentado como motorista de caminhão e com a grana do fundo de garantia comprou o Café. O resto da história a maioria já conhece!
Tempos depois, por motivos de reajuste de aluguéis, o “Café du Réve” mudou-se para a Rua Deputado Lacerda Franco (nº 293), onde até hoje permanece rebatizado como “Bar do Cidão”.
O bar passou por inúmeros percalços ao longo dos anos. Problemas com a Prefeitura, ausência de alvará de funcionamento, pesadas multas, lei do Psiu, mas incrivelmente sobreviveu. E sobreviveu muito pela tenacidade do Cidão e pela qualidade dos grupos musicais que lá se apresentam. Sempre altíssima! Passei muito tempo freqüentando o bar, tocando ou como simples freguês, mas há muito tempo não ia mais lá. Para quem não conhece, o bar é uma garagem pequena, com azulejos antigos na parede. Depois de problemas com a vizinhança, foi instalada uma porta de vidro na frente e o lugar virou uma sauna no verão. Mas a música, sempre compensou largamente.
Domingo desses voltei lá para dar um abraço no Cidão pelo seu aniversário. Ele já está meio combalido, meio doente e só tem olhos para seu filho mais novo, do segundo casamento, que permanece o tempo todo grudado ao pai. Mas foi ótimo ter ido. Sempre é! A música continua maravilhosa. Quantos músicos fantásticos eu já vi por lá! Zé Barbeiro, Stanley, Roberta Valente, Alessandro Penezzi, Renato Vidal, Amaral, Marcel do Cavaco....e ainda por cima com históricas canjas, algumas que presenciei, de Yamandú Costa, Hamilton de Hollanda, Beth Carvalho e tantos, tantos outros...
Por mais incrível que possa parecer até a atriz alemã Hanna Schygulla, de “O casamento de Maria Braun”, uma vez apareceu por lá, para delírio absoluto dos cinquentões cinéfilos que freqüentam o bar! Tem marmanjo que lembra disso até hoje! Para quem não acreditar, tem foto dela tirada ao lado de um sorridente Cidão (com cara de Fassbinder africano)!
Enfim, a relação de amor e ódio que dá título à coluna explica-se por alguns momentos de irritação que passei lá, por conta da eventual lentidão no serviço, erros na conta e cozinha ruim mas, principalmente e acima de qualquer outra coisa, pelos momentos de felicidade genuína, de êxtase musical (sim, música boa produz endorfinas) e de sincera amizade, em tempos que infelizmente já vão distantes!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

TALAGADA CARIOCA.

MINHA ALMA CANTA...

Vejo o Rio de Janeiro...
Depois dos últimos acontecimentos na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, o Rio está na moda. O Rio nunca saiu de moda. Para o bem ou para o mal. Acontece que, como para todo o paulistano cioso de suas esquisitices tipicamente paulistanas, o Rio é o meu alter ego. Só por isso eu já amaria o Rio. Não apenas por ser a necessária antítese de São Paulo, por ser seu espelho invertido, por ser o que nós não somos por excesso de culpa e de responsabilidade. Eu amo o Rio porque o Rio tem vocação prá ser feliz. E não tem vergonha disso! E ainda tem o samba! Covardia.
Além do mais, acho melhor ter os Arcos da Lapa como cartão postal do que a Ponte Estaiada, um mostrengo copiado de outras pontes pelo mundo desenvolvido afora. Mas antes que algum paesano mais enfurecido me pergunte: “porque você não vai morar lá então seu traidor?”, quero esclarecer que nasci aqui e, apesar dos pesares (vários pesares), também amo São Paulo. De mais a mais acho essa história de bairrismo entre Rio e São Paulo uma tremenda babaquice. Evidente que ambas são o Brasil, cada uma à sua maneira, que ambas se complementam, assim como Nova Yorque e Los Angeles, ou Madri e Barcelona.
Esta longa e enfadonha introdução é só para dizer que nos últimos anos assistimos em São Paulo a uma sistemática proliferação de botecos de “estilo” carioca. Ótimo. Poderia ser muito pior (imaginem uma invasão de botecos no estilo goiano, com duplas sertanejas a granel?!). Melhor copiar de quem sabe fazer boteco e faz dele uma extensão da praia. Dito isso, acho que é possível “ir” ao Rio de Janeiro sem passar por Congonhas ou pela Dutra. É só fazer um teletransporte no Bar Pirajá! (Avenida Brigadeiro Faria Lima, 64). Se existe uma embaixada carioca em terras piratininguenses, é lá mesmo!
Comecemos pelo chopp que é como se começa uma boa conversa. Quem já foi ao Bar Original, dos mesmos donos do Pirajá, sabe o quanto é precioso aquele líquido dourado que brota da chopeira. Pois o chopp é o mesmo e tirado com a mesma maestria e carinho. E as batidas?! O que dizer de um bar que ao contrário de ter uma carta de vinhos tem uma carta de batidas?! Para acompanhar essas maravilhas, fica realmente difícil escolher entre os petiscos. Tem um balcãozão com vários petiscos maravilhosos, mas os do cardápio são de escorrer uma lágrima de felicidade.  Empadinhas de camarão, rãs grelhadas, lingüiça na cachaça, o famoso bolinho de abóbora com carne seca, croquete de pernil (Fio Maravilha), manjubinha empanada no chopp (Peixeiro Granfino), precisa mais?! Quem quer almoçar ou jantar também não se dá mal. Bons filés a Oswaldo Aranha, Pirajá (com queijo camembert e farofa de alho), a Pimenteira (ou “ao poivre” como se diz na Zona Sul), bacalhau, dobradinha, arroz a penafiel, milanesa a cavalo, já é?!!! E aos sábados a famosa feijoada da Tia Surica, uma das primeiras intérpretes do Príncipe do Samba, o bom e velho Paulinho da Viola. Aliás, sempre que estão na terra da garoa, é comum encontrar lá Ruy Castro, Beth Carvalho, Moacyr Luz, Nelson Sargento e outros cariocas ilustres renovando o visto.
Aos corajosos que se dispuserem a esperar uma mesa na calçada até a barba crescer num sábado de verão, uma cortina de maravilhas se abrirá. Daí é só imaginar que você está no Bracarense em pleno Leblon, olhar a avenida e imaginar o oceano atlântico até sentir a maresia. Não precisa nem caprichar nos esses e nos erres. Pode chamar o garçon de “meu querido” e soltar um “ôrra meu” de vez em quando.
Daí é só terminar a noite recitando Drummond em voz alta: “Rio antigo, Rio eterno, Rio-oceano, Rio amigo, O Governo Vai-se? Vá-se. Tu ficarás e eu contigo.”

segunda-feira, 11 de abril de 2011

TALAGADA LUSITANA.

VOCÊS QUEREM BACALHAU?


Aos 51 de idade não fiz fortuna (pelo menos não “ainda”). Mas também não fui à bancarrota (não “ainda”). Colecionei figurinhas, amores, desenganos, alegrias, alguns poucos cabelos e principalmente amigos. Muitos e excelentes.
O genial humorista peruano Luis Felipe Angell de Lama, que utilizava o pseudônimo “Sofocleto”, disse: “Amigo verdadeiro é aquele que nos quer apesar de nada”. Pois apesar de nada, dois queridíssimos amigos, Eduardo Rodrigues e Thaís Duque Estrada, me levaram num desses domingos de sol, em minhas andanças a procura de lugares sensacionais, a um bar da Casa Verde cuja especialidade é o nobilíssimo bacalhau! Trata-se do “Confraria Bar Batana” (Avenida Casa Verde, 2.500 - www.confrariabarbatana.com.br). Como sói acontecer, ficamos na calçada que é o melhor lugar para ver a vida passar e para ver os carros raspando o chão numa valeta descomunal que existe ali!
Já o Bacalhau é o nome comum dos peixes do gênero gadus, pertencente à família Gadidae, como naturalmente todos sabem. Dentre as várias espécies de peixe comercializados como bacalhau (assim como os gatos o são, como lebres ou churrasquinho na porta dos estádios), destacam-se o Gadus Morhua, ou COD, que nada nas águas frias do Oceano Atlântico na vasta região entre o Canadá e a Noruega e o Gadus Macrocephalus, que habita o Pacífico, ali pertinho do Alaska. Apenas o primeiro nos interessa e este infelizmente encontra-se na lista do WWF das espécies ameaçadas de extinção.
Que me perdoem a piadinha os meus amigos do Green Peace mas naquele domingo nós colaboramos bastante com essa ameaça. O Confraria, apesar de ser um botecão bacana de esquina, tem um cardápio impecável quando se trata do nosso amigo Gadus Morhua. Inúmeras receitas. Bacalhau a Brás, à Dorê, à Gomes Sá, ao Porto, à Portuguesa, às Natas, do Pippo, ao Alho e óleo, enfim, a lista é grande. Todos eles dispostos em pratos já montados numa vitrine dentro do bar. Que maldade! Essa vitrine me agradou tanto quanto a vitrine da Tiffany´s agrada a Paris Hilton, ou a vitrine da Ferrari agrada o Chiquinho Scarpa!
Existem outros pratos na casa mas, honestamente, eu nem vi! Caprichei no bacalhau, nas batatas e no Brócolis ao alho e óleo. Tudo muitíssimo bem feito e em pratos que servem de uma a quatro pessoas. O chopp é bem bom também e o serviço, excelente. Palmas para os garçons, principalmente para o simpático e paciente Orleudo que nos atendeu e para os donos Márcio e Reizinho, que tem esse apelido porque trabalhou no “Ao Rei do Bacalhau” e de lá trouxe todo o “savoir faire”. O bar ainda tem um vasto salão no andar superior e recebe eventos!
Aproveitando o ensejo, iniciei este texto citando Sofocleto e termino citando Mário Quintana para dizer aos meus amigos Edu, Thaís e a todos os outros, em agradecimento, que “a amizade é um amor que nunca morre”.


quarta-feira, 6 de abril de 2011

TALAGADA ESPIRITUOSA!

DESGOVERNADOR VALADARES



Existem bares que tem espírito e outros que não tem. É simples assim! E nesse caso cita-se o poeta e dramaturgo Jean Baptiste Gresset que disse que “o espírito que se quer ter estraga aquele que se tem”. Simples assim.
Desde os meus tempos de sub-17 eu freqüentava vez ou outra, com meus primos mais velhos, o Bar Valadares (Rua Faustolo, 463 – Lapa). Pode-se tranquilamente afirmar que é um bar que tem (e muito) espírito e é o espírito de Minas (royalties à cachaça homônima). Explico: o bar foi fundado em 1962 por cinco irmãos na cidade de Guanhães-MG (terra do meu amigo Antonio Mineiro e de pronuncia não recomendável aos fanhos),  próxima a Governador Valadares. Daí o nome. Tempos depois migrou de mala, garrafas, cuia e panelas para a progressiva capital paulista.
Apesar da homenagem ao governador, poucas vezes na vida eu não saí de lá desgovernado! Isso porque a cerveja é sempre gelada e isso já é motivo mais do que suficiente para me desgovernar. Também porque os petiscos são excêntricos, inusitados e muito bem feitos.
Para falar deles é recomendável que se tire as crianças da sala. Também é bom que se alerte aqueles de estômagos mais sensíveis.
Os quitutes mais estranhos ficam por conta dos testículos de boi, comida de macho para machos, e dos testículos de galo, evidentemente bem menores. Na verdade os testículos seriam de touro, porque boi é o nome do touro justamente depois que lhe tiraram impiedosamente os testículos. Ambos são preparados à doré, à milanesa ou ao alho e óleo.
Essas doses cavalares (ou bovinas) de testosterona só podem resultar em mais libido. Pelo menos é o que todos gostamos de acreditar e o que explica ser, de longe, o prato mais consumido da casa pelos companheiros já, digamos, combalidos.
Para os paladares mais ortodoxos recomenda-se a codorna frita (aquele franguinho que não cresceu), chouriço ou jiló ao vinagrete. Não se pode dizer que sejam também petiscos assim tão difundidos e encontrados em qualquer esquina, mas são de lamber os beiços!
OK, se mesmo assim você ainda está se recuperando psicologicamente dos dois parágrafos anteriores, tente uma prosaica empadinha de palmito, que também é muito boa lá no Valadares.
O clima é de boteco de esquina porque, de fato, ele é um boteco de esquina, o que induz imediatamente à idéia de que não faria sucesso em Brasília, por exemplo (isso explica um pouco do espírito). Os preços, razoavelmente camaradas.
Para terminar, é bom alertar que bem próximo dali existe um Valadares genérico, filial do da Faustolo, mas não se iluda e prefira sempre o original que não deforma e nem solta as tiras, mesmo porque o glorioso universo das comidas afrodisíacas só é servido na matriz. Ah, e se provar os testículos, é bom evitar contar a história para aqueles amigos mais desagradáveis, que sempre farão piadinhas de péssimo gosto a respeito. Eu sei o que estou falando, acreditem!

sábado, 2 de abril de 2011

TALAGADA AMARGA!

AS VELHINHAS DA VILA POMPÉIA


O Todopoderoso e os leitores desse blog são testemunhas de que tenho séria resistência em criticar os bares objeto de minha paixão e de meu ódio, pelo simples prazer de criticar. Ao contrário disso, rasgo elogios, abuso dos adjetivos e dos superlativos dos adjetivos, ressaltando quase sempre os aspectos positivos de cada estabelecimento tratado. Mas às vezes coisas desagradáveis acontecem e este blog se transforma em minha única via de resposta. O que me aconteceu antes do Natal, por exemplo, é digno de menção e mais, é digno de crítica, a mais justa quanto possível.
Sabadão a noite, termômetro na casa dos 26 graus, calor de rachar, estávamos eu e minha patroa voltando de uma festa em família, já imaginando que teríamos problemas de trânsito para chegar em casa, já que, como mencionei anteriormente, moramos no coração da Vila Madalena. Acrescente-se a isso a época natalina e a mania do paulistano de sair de carro no sábado a noite para ver a decoração de natal da Paulista ou a árvore do Ibirapuera. Que saco! Horas e horas de trânsito no sábado a noite! Daí quando digo que odeio essa época do ano recebo olhares de reprovação dos que cultuam o advento.
Nada mais inteligente nessas circunstâncias portanto que fôssemos, eu e a patroa, tomar a saideira em algum canto da cidade até que o trânsito melhorasse.  Rumamos para os lados da Lapa, Vila Romana, Vila Pompéia e adjacências, ou como querem alguns, a “nova” Vila Madalena em quantidade de botecos. Porém, assim como nas questões do sexo, quase nunca quantidade significa qualidade.
No primeiro bar simpático que avistamos, o qual infelizmente eu não me lembro o nome mas sei que ficava na esquina das Ruas Duílio com Coriolano, já fomos pessimamente tratados. Uma mesa na calçada estava dando sopa, quase que pedindo: “me senta, me senta”. Um garçom prontamente apareceu dizendo que estava recolhendo as mesas de fora, sem antes dizer boa noite. Olhei no relógio. Meia noite e quinze. Argumentei com ele que a lei determina que as mesas de fora sejam retiradas uma da manhã e que portanto ainda teríamos 45 minutos para desfrutar da boa brisa da Lapa, bebendo uma inocente cerveja. Mas o que é a lei?! Exageros a parte, a lei, ou os que fazem as suas próprias, só privilegia quem odeia ver seu semelhante se divertindo. Quando beneficia quem se diverte ela não vale tanto assim. Não houve acordo. Disse um bom palavrão e fui embora. A semelhança entre as lapas paulista e carioca se encerra no nome.
Corremos então para o Bar Pompéia (Rua Dr. Augusto de Miranda, 712), que eu conheço de priscas eras. Meia noite e vinte e cinco. Sentar na calçada nem pensar, então já entrei e me aboletei numa mesa “dentro” do bar.
De prima, dois garçons se aproximaram, cada um com um simpático recado. O primeiro: “a cozinha já está fechada”. O segundo: “em cinco minutos vamos fechar a chopeira”. O que eu vou ficar fazendo aqui então? Admirando o azulejo branco das paredes? O piso de ladrilho hidráulico? O balcão de mármore? O ar de falso boteco-antigo? Não agüentei. Perdi a esportiva como no último jogo do meu time e falei o que precisava ser dito.
O garçom, com um sorriso amarelo-icterícia, percebeu o meu desagrado. Tentou ainda ser simpático e contra-argumentar. Disse que não existe, no bar, dois turnos de funcionários e que eles estavam trabalhando desde a uma da tarde. Mas tive a impressão de que este não era um problema meu e sim do dono do bar (estaria eu certo?). Ele que coloque então dois turnos antes que o bar vá para a cucuia e que ele fique se perguntando onde errou. O segundo argumento era de que várias velhinhas residem nas redondezas e reclamam do barulho que as pessoas fazem “falando dentro do bar”! Perguntei se os clientes do bar não reclamam do barulho que as velhinhas fazem colocando a televisão no último volume. Nunca ouvi falar de velhinhas com a audição tão apurada!
Sem querer ofender ninguém, entendo que as pessoas que tem problemas com barulho devem morar em qualquer lugar do planeta. MENOS em São Paulo. Que tal o Saara ou uma chácara bem afastada da civilização? Melhor não também. Talvez essas pessoas saíssem de madrugada assassinando cigarras e multando sapos.
Bebi os dois chopes que o garçom me autorizou beber, como se fosse um favor, belisquei os parcos tremoços que ele ofereceu “por conta da casa”, como se fossem pedregulhos e fui embora espumando mais que sabonete caro.
No conforto da minha residência fiquei acordado até as 4 da matina ouvindo uma banda de pagode tocar num bar atrás da minha casa, “em alto e bom som”, com o baterista se esforçando para aparecer mais do que os outros. Pensei maldosamente que as velhinhas da Vila Pompéia deveriam fazer um estágio na Vila Madalena. Se sobrevivessem estariam salvas! Ou talvez nem sobrevivessem.
Mas logo adormeci sem encher o saco de ninguém, lembrando Flaubert que dizia: “Estamos todos num deserto: ninguém compreende ninguém”. Meu último pensamento conexo foi como nós, pobres paulistanos que hoje habitamos um colégio de freiras e que temos como única alternativa de lazer os shoppings centers lotados, poderemos ser felizes novamente?