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sábado, 29 de outubro de 2011

TALAGADA RASTEJANTE.

SEE YOU LATER ALLIGATOR

Se jacaré que fica parado vira bolsa, como preceitua o dito popular, posso dizer que circulo bastante por aí, nos bares da cidade. Talvez até demais segundo alguns. Em minhas andanças vi um pouco de tudo, bares com nomes estranhíssimos, apenas com números, ou com trocadilhos imperdoáveis usando o nome do dono, nomes de péssimo gosto, nomes pretensiosos muito mais chiques do que o ambiente em si, inclusive bares com nome de animais. Nessa última categoria, destaco o Jacaré Grill (Rua Harmonia, 305). Pode não ser o melhor bar do mundo, da Vila Madalena e talvez nem da rua, mas quebra o galho.
A decoração é espartanamente despojada e confusa, ao contrário dos produtos da Lacoste que também fazem uso do citado réptil, mas ninguém vai lá por causa dela ou por causa de qualquer outra coisa que não seja comer razoavelmente bem e tomar a cervejinha gelada de cada dia. Aliás, no quesito comida de boteco o Jacaré até se destaca. Boas porções de grelhados aperitivo, costelinha de porco e de cordeiro, bife de tira, picanha e um hamburgão bem bacana. As cervejas estão sempre geladas. Experimente os baldes de gelo com quatro cervejas dentro. A relação custo benefício agradece.
O bar tem dois ambientes distintos. O lado de dentro e o lado de fora. Eu prefiro ficar fora quando o meu querido São Pedro desliga a torneira. É do lado de fora que logo se percebe que o boteco é um excelente lugar de paquera, se é que você tem mais de 35 (ou 45, ou 55) anos. Os tigrões motorizados vão todos lá, inclusive aqueles que tem motocicletas maiores do que uma unidade da cohab. As tigresas também aparecem, lógico. Tome muito cuidado. Elas não estão lá para brincadeiras e em rio que tem...você sabe o que...jacaré nada de costas!
No passado recente o Jacaré carregava a pecha de ser um importante ponto de tráfico de drogas. Reza a lenda que o usuário ligava para o bar antes, reservava a mesa e preso sob o tampo já encontrava o seu pacotinho de pó devidamente pesado e embalado. O preço vinha na conta, com um nome disfarçado. Eu nunca vi. Mas também nunca fui usuário de cocaína, sei lá. Preciso tomar cuidado para não caluniar ninguém!
Maradonices a parte o boteco é bem razoável, apesar de já ter dobrado o cabo de seus melhores dias. Já o serviço, ah o serviço....é bem fraquinho. Mas dá para perceber que alguns garçons se esforçam em sorrir amarelo.
Além das cervejas nacionais o bar tem boas cachaças. Com o caldinho de feijão (com torresminhos) ou a lingüiça calabresa com molho de maracujá elas descem extremamente bem. Melhor ainda se acompanhadas de um papo bem furado mesmo porque, convenhamos, ninguém vai a um bar para tentar resolver a crise econômica na Europa ou a fome na África. Até onde eu sei, as pessoas vão ao bar para beber cerveja e descontrair. Isso desde os tempos do velho bardo, William Shakespeare, que disse: “Daria toda a minha fama por uma caneca de cerveja e por segurança”! Rárárá...enquanto não temos nenhuma segurança o remédio é a cerveja!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

TALAGADA TEATRAL.

CACILDA!!!

Cacilda Becker, a grande atriz brasileira que morreu aos 48 anos, na flor de sua vida e de seu talento, mereceu nome de teatro. Ele fica aqui em São Paulo, no outrora simpático e acolhedor bairro da Lapa.
Na esquina em frente, pegando carona no nome do teatro, funciona há mais de dez anos o Bar Cacilda (Rua Tito, 237) o qual prima pela qualidade mas não pelo atendimento. Já deu pra perceber que uma vez mais vou exercer o saudável esporte de espinafrar um bar! Nesse caso não tem como ser diferente!
No começo, antes da reforma que aumentou o tamanho do bar consideravelmente, eu ia muito lá com minha namorada na época, hoje patroa oficial (não existem filiais). Ela morava no Alto da Lapa e o Cacilda era um bar próximo e aconchegante.
Recentemente estive lá com amigos e as coisas mudaram um pouco. O bar hoje padece do que é norma vigente em todos os bares da Lapa: fecha cedo demais e os funcionários e garçons desenvolveram técnicas infalíveis para enxotar os clientes: Mau humor, lentidão no atendimento e aquela cara típica que os garçons fazem quando acham que você é um estorvo e que precisa ser eliminado rapidamente.
Consigo pensar em muitos defeitos e problemas num bar. Garçons mal treinados, trabalhando de má vontade, é o pior de todos, disparado!
O triste é que o bar tem tudo para ser bacana. Fica numa esquina nostálgica e tranqüila, é bonito, é facilmente visível para quem trafega pela Rua Tito, as cervejas são boas e a cozinha também. O problema, repito, são os garçons que te tratam como se você estivesse em liberdade condicional.
Tá bom, tá bom, vamos falar das coisas boas. O ambiente interno é legal, com um salão bom e um mezanino perfeito para namorar. Os petiscos também, se não empolgam, não decepcionam. As bruschettas e a casquinha de frutos do mar são recomendáveis. Os pratos seguem na mesma linha e o cardápio é extenso, com destaque para as massas e os peixes. Pronto. Falei bem. Voltemos à carga!
O compositor Lobão, sim aquele, disse certa vez que "O garçom é o nosso psicólogo de plantão, nosso melhor amigo no final de uma noite de loucuras." Concordo com ele. Em muitos casos isso é verdadeiro. Conheço muitos bons garçons e tenho a maior simpatia pela classe, mas no caso do Cacilda o garçom é o psicopata de plantão, nosso pior inimigo que transforma o final da noite numa loucura. E digo isso porque, no meu caso, eles até retiraram a cadeira de uma amiga da mesa, quando ela foi ao banheiro. Inaceitável. Também acho terrível ser literalmente mandado embora de um bar! Se fosse 5 da manhã está certo, mas isso aconteceu por volta da meia-noite de uma sexta-feira!!!
Fico pensando que ou os proprietários da casa não tem conhecimento do que acontece, o que induz a uma certa negligência, ou pior, a orientação em ser o mais desagradável possível parte diretamente deles. Nesse caso recomendo aos proprietários que vendam o bar a alguém que realmente gosta de ter um bar e que não o tratam como um mero negócio, como uma maneira de fazer dinheiro, porque de donos de bar assim ninguém precisa, apesar de existirem tantos por aí. Com o dinheiro da venda do bar, que abram um asilo de velhinhos surdo-mudos, que fecha bem cedo e geralmente os fregueses não reclamam do péssimo tratamento.
Para terminar de destilar a rabujice gostaria de deixar claro que não me julgo no “direito” de ser bem tratado num bar. Não sou do tipo chato que reclama de tudo e gosta de espezinhar o próximo apenas porque está pagando. De fregueses assim também ninguém precisa. Mas é meu “interesse” que eu seja bem tratado e como já dizia Napoleão Bonaparte, “todo homem luta com mais bravura por seus interesses do que por seus direitos”. Uma vez que os meus interesses, tão básicos e comezinhos, não foram atendidos, só me resta evitar este bar, como de fato evitarei com todas as forças do meu coração!

sábado, 24 de setembro de 2011

TALAGADA SAUDOSA

BACANALDO E ANTIGUÉCIA

Gosto de bares que não enganam, bares de verdade, que não são caça-níqueis e que tem alma. Gosto enfim de bares bacanas. Quem não gosta?! Mais bacanas ainda se forem antigos, daqueles que já funcionam no piloto automático e adquiriram todo o “savoir faire” da noite paulistana. Daqueles, aliás, que esbanjam esse “savoir faire”. Só um dono extremamente incompetente, um néscio com MBA, é capaz de levar à bancarrota um estabelecimento comercial que dá certo há 17 anos! Ainda bem que não é este o caso do Barnaldo e Lucrécia (Rua Abílio Soares, 207). Na lida desde 1994 o simpático boteco tem motivos de sobra para continuar existindo. Primeiro porque é um bar cujo modelão é o dos bares dos anos 70 e 80, hoje raros na cidade. Segundo porque continua preocupado em oferecer sabores e sons genuinamente brasileiros, o que é mais raro ainda nesta terra de amantes do sertanejo universitário, da fast food e do hip hop (ou seria fast fod e hip hoop?).
O bar nasceu pelas mãos de um simpático casal de amigos (Arnaldo e Lucrécia, mais conhecida como Lú e tempos depois dona do Bar da Ló, nos Jardins) que tempos depois passou o boteco nos cobres. A decoração permanece a mesma, ou muito parecida com a do dia da inauguração, ou seja, é uma reprodução paulistana dos armazéns de secos e molhados do interior do Brasil. Pode ser do interior de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Paraná ou do Rio de Janeiro, porque o jeito é acolhedor, aconchegante, típico do Brasil de antanho.
O cardápio não foge à tipicidade da decoração. Petiscos brasileiros de estirpe inconfundível: pastéis (palmito, bacalhau, carne, queijo brie com damasco), caldinho de feijoada com torresmo, caldinho de mandioca, lingüiça dragão, mandioca frita com molho de carne moída (ui!), bolinhos de arroz, de queijo, de mandioca, bolinhos de feijoada (o que será isso meu Deus?!), sanduíches, filés aperitivo e saladas. Para entornar, cervejas (garrafas grandes) nacionais e sulamericanas, vinhos, whiskies e uma boa carta de cachaças e de caipirinhas (com destaque para as de morango com pimenta rosa e melancia com gengibre).
Nos dois andares do bar se ouve MPB ao vivo, no bom e velho estilo “um-banquinho-e-um-violão”, sempre com qualidade bem acima da média. Bons nomes já passaram por lá nos últimos anos. No andar de cima, casaizinhos trocam juras de amor à meia luz. No andar de baixo a azaração rola soltíssima e é exercitada em suas formas clássicas e consagradas, sem contra-indicações. Mas isso é mais para a garotada na faixa dos 30 e poucos anos.
Sempre que vou lá tenho a estranha sensação de voltar no tempo. A vista anuvia, o ambiente gira (depois de três cachaças então...) e parece que estou de volta aos meus 30 anos de idade (ô sodade!). Quem não se lembra daqueles barzinhos clássicos da Henrique Schaumann ou da Avenida Ibirapuera, época em que os maus filhos de famílias boas caçavam impiedosamente as meninas boas de famílias más?
O fato é que o Barnaldo fez história na noite da cidade e de certa forma ainda faz. É  mais ou menos como o programa Castelo Rá-Tim-Bum, produzido no início dos anos 90 mas reprisado à exaustão anos a fio e por isso adorado por crianças de 2 a 18 anos de idade.
Pois por sobreviver assim é que o Barnaldo Lucrecia vai sobrevivendo mais ainda e atravessando as gerações, sempre com a mesma proposta e o mesmo jeitão. Parece que ele contraria a regra definida pelo grande poeta inglês Alexander Pope, que dizia: “Ano após ano rouba-nos algo todo dia...E acaba por roubar-nos de nós mesmos”!

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

TALAGADA MINEIRA

AI MEU SÃO XOPOTÓ!

Alguém, em pleno gozo das funcionalidades mentais, já parou para se perguntar o que quer dizer Xopotó? Pode ser, alguns diriam, o som de um potro selvagem cavalgando sobre a pradaria verde. Xopotó, xopotó, xopotó....Pode ser ainda a designação carinhosa da cerinha da orelha do porco, ou o nome indígena para a região glútea das fêmeas (que xopotó tem a Potira hein?!). Não é nada disso. Xopotó é nome de um pequeno riacho das Minas Gerais, que o bairrismo e as reminiscências de infância de alguns fazem parecer um Danúbio. Ele nasce na vertente nordeste da Serra da Conceição, inserida nas grimpas da Mantiqueira, no município de Desterro do Melo. A partir da sua foz, essa é a mais alta e a mais distante das nascentes de todos os cursos d´água que formam a bacia do Rio Doce. Interessante.
Evidentemente (porque este é o nosso assunto), também é nome de um bar em São Paulo. O Xopotó, na Rua Dr. Fadlo Aidar, nº 136 (continuação da João Cachoeira, que termina bem em uma rua com nome de rio).
O fato é que até hoje não descobri se o Xopotó é bar ou restaurante, mesmo porque alguns estabelecimentos tem as características de ambos e se confundem. Não importa, vamos fingir que é bar!
A decoração é simples porém cuidadosa. É como se você estivesse numa casinha da praça da matriz, em São João Nepomuceno. Uma florida área externa ao fundo, com fUgão a lenha e tudo, é o melhor lugar da casa nos dias mais quentes.
A carta de cachaças, como não poderia deixar de ser numa casa mineira, é um trem doido sô! A maioria das caninhas é da região de Salinas, que está para a cachaça assim como a região de Bordeaux está para o vinho.
A comida então é boa dimais da conta. Costelinha suína com ora-pro-nóbis, tutu, angu e arroz, Galinhada mineira, Lombo com feijão tropeiro, couve e torresmo, Feijoada (todos os dias!) e os clássicos leitão a pururuca e galinha ao molho pardo, o prato que Bela Lugosi amava.
O Xopotó, para mim, tem um apelo sentimental porque foi lá onde conheci e conversei pela primeira vez com a mulher que se tornou minha patroa. Mas isso são intimidades e particularidades que não cabem aqui. O que importa é que é um lugar completamente diferente dos restaurantes mineiros da cidade, como o Consulado Mineiro por exemplo, que virou um hit há alguns anos sem tomar o cuidado de preservar a qualidade da cozinha, ou seja, no Xopotó a comida é bem feita e o acento mineiro, autentico.
Mas mesmo que você não seja muito chegado aos torresmos e costelinhas, o Xopotó ainda é um bom lugar para ir. Porque? Caus´que é um lugarzin bunitin, o povo é bem simpatiquin e tem uns trem bão prá bebe.
Quanto à simpatia, essa tem realmente de sobra. Se Otto Lara Resende de fato disse que o mineiro só é solidário no câncer, eu digo que o mineiro é solidário também à mesa do jantar, porque eu não conheço povo que empreste ao ato de se alimentar um sentimento tão maternal e aconchegante.
Tenho muitos e bons amigos mineiros e sei bem disso. Ô povo bão pra conversá! De mais a mais, se é para parafrasear alguém, prefiro o mineiro mais famoso de todos, Carlos Drummond de Andrade, que disse sobre Minas que “é o estado mais conservador da União, porém o que abriga o espírito mais livre”! E num é qui é messss....

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

TALAGADA FELIZ.

A FELICIDADE É.....

Quem dentre os mortais não tem uma história de genuína felicidade para contar? A pureza, a inocência, a honestidade, valores tão antigos quanto desprezados hoje, pautaram histórias de superação, de trabalho e dedicação, principalmente (mas não exclusivamente) entre os imigrantes que adotaram a cidade nos séculos anteriores. Por isso hoje quero contar a história de um bar que tem o mesmo nome da matriarca que o comanda, chamado “Dona Felicidade” (Rua Tito, 21). Tudo começou em 1934, quando dois portugueses, Sr. Manoel Bastos e Dona Felicidade Bastos, desembarcaram no Brasil ainda meninos, o Sr. Manoel com 12 anos e Dona Felicidade com 9. Vieram em navios diferentes, mas com algo em comum: a vontade de construir um futuro, uma família, uma vida. Como todo imigrante, seus objetivos eram o de prosperar e vencer. Naquela época o trabalho era o único caminho.
Casaram-se em 1945, quando a 2º Guerra Mundial fazia parte do cotidiano. Em 1946 o Sr Manoel comprou junto com alguns sócios um pequeno bar no Brás, mas como ele mesmo dizia, “sociedade termina uma parte com o dinheiro e a outra com a experiência“. Pois foi assim, ele saiu com a tal experiência e a vida continuou, simples, honesta e dura. A família aumentou para um total de “cinco filhos maravilhosos”, como diz Dona Felicidade e o Sr. Manoel, nos anos 50, adquiriu uma mercearia na Avenida  Pompéia. Todos conheciam o Sr. Manoel no bairro. Seus petiscos e sua simpatia eram elementos de um marketing espontâneo difícil de se ver hoje em dia.
Na época a mercearia de esquina, como todas, não servia refeições. Mas havia sim uma pequena copa para os petiscos e a cerveja sempre gelada. Dona Felicidade fazia questão que o Sr. Manoel almoçasse em casa. Como moravam no predinho em cima da mercearia, era fácil, apenas alguns lances de escada e pronto ! Nos dias de maior movimento ela trazia o almoço para o marido na própria mercearia e os clientes perguntavam ao Sr. Manoel sobre a possibilidade de conseguir um “pratinho“ para eles também. Cansada de subir e descer as escadas Dona Felicidade disse ao marido : - Mané, acho melhor a gente descer o fogão aqui pra baixo!
Foi assim que a mercearia dos anos 70 se transformou em uma “lanchonete“, onde se servia uma comida caseira maravilhosa, feita por Dona Felicidade. Vinha gente de todo canto da cidade e muita gente famosa começou a aparecer por lá para cometer o pecado da gula sem culpa.
O “boteco” ganhou um apelido interessante. Em razão do toldo que não cobria todas as mesas externas começou a ser chamado de “Pé Prá Fora”, e pegou! O apelido e o boteco.
Nos anos 90 Sr. Manoel desencarnou e Dona Felicidade, no comando da família, resolveu mudar o boteco para o endereço atual, um grande galpão na Rua Tito, com todo o jeitão de ter sido um depósito ou uma fábrica em priscas eras.
Dona Felicidade, com mais de 80 anos, continua pilotando a cozinha maravilhosa. A começar do bolinho de bacalhau, totalmente excelente. Calma que tem mais! Quanto aos pratos, o que você me diria de um filé mignon ou uma picanha, ambos ao alho? Ou uma costelinha suína na brasa, um carré de cordeiro, ou um virado a paulista e uma feijoada, tudo feito no capricho?!
O ambiente despojado pede uma boa variedade de cervejas e nesse quesito nossas preces são plenamente atendidas: são 38 rótulos incluindo a rara Therezópolis, a excelente argentina Quilmes e a família Baden Baden de Campos do Jordão, recentemente adquirida pela Ambev (pena).
Apenas os horários de funcionamento, bastante restritos, contam ponto contra. Eu já dei com a cara na porta algumas vezes e, pior, quando a fome bate. No mais, o Dona Felicidade é felicidade pura mesmo! E para terminar citando o atualíssimo poeta francês Nicolas Chamfort, digo que “dá-se com a felicidade o que se dá com os relógios: os menos complicados são os que enguiçam menos”!

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

TALAGADA APIMENTADA.

BIBA MÉRRICO!

Para quem não conhece, o México é um país verdadeiramente encantador, em todos os sentidos. Estive lá há alguns anos e me apaixonei perdidamente pela História, pelas cores, pela comida e a tequila. Sem contar que os mexicanos nos adoram. Não a toa houve recentemente um significativo aumento de casas “mexicanas” em São Paulo, tamanho é o interesse dos brasileiros pela culinária incrível daquele país, a qual tantas vezes tentei reproduzir na pilotagem do meu fogão, sem muito sucesso.
Um dos bares/restaurantes mexicanos mais antigos da cidade é o “Viva México” (Rua Fradique Coutinho, 1.122). Na minha opinião também é um dos melhores, ou na pior das hipóteses o que reproduz mais fielmente os sabores peculiares do país sangrentamente conquistado por Hernan Cortez. Na lida desde 1992, o Viva México permanece até hoje do mesmo jeitinho de quando foi inaugurado. Até os garçons são os mesmos.
O ambiente do boteco é minúsculo e a decoração é obviamente típica. Sombreros, bandeirolas coloridas, garrafas de tequila nas prateleiras e fotos dos grandes vultos mexicanos da história nas paredes. Venustiano Carranza, Porfírio Dias, Francisco Madero, Álvaro Obregón e porque não os heróis da revolução mexicana de 1910, Pancho Villa e Emiliano Zapata (interpretado nas telas por Marlon Brando), estão todos lá. No terreno das artes, algumas reproduções e fotos de Diego Rivera, Davi Siqueiros, Rufino Tamayo e Frida Kahlo, minha preferida!
A cozinha, se não dá vontade de aplaudir de pé, também não é de se vaiar. É evidente que todo restaurante de comida temática nunca consegue reproduzir fielmente os pratos do país de origem. Os vegetais são diferentes, as carnes tem outro sabor, os temperos, as ervas...etc. Mesmo assim, o Viva México procura, dentro das possibilidades, ser o mais fiel possível. Não espere encontrar lá a comida “tex-mex” (texas/méxico), com as tortillas douradinhas e fritas. Não. As tortillas de lá são iguais às do país mãe, moles e na chapa. E são deliciosas!
Na Cidade do México a comida de rua é um patrimônio cultural. São milhares de “taquerias” espalhadas pela imensa cidade. Bibocas meio sujas, com a carne girando no espeto vertical, banhada em pimenta vermelha ou jalapeño, igualzinha ao nosso churrasquinho grego. Há que ter a coragem de Montezuma para comer um taco nesses lugares. Pois o Viva México pretende ser uma taqueria. Mas na verdade não é. O país sede, através das importantíssimas culturas azteca e maia, legou ao mundo a pimenta, o chocolate e o milho (é pouco?). Com esses três ingredientes (e mais alguns) é possível criar maravilhas. Experimente no Viva México, por exemplo, o taco a la parrilla (para duas pessoas), chili com carne ou o frijole (feijão) refrito. Excelentes! Mas existem muitos outros pratos e antojitos (aperitivos) no cardápio. Burritos (uma espécie de caneloni mexicano), fajitas (tiras de carne com vegetais), quesadillas e tantos mais! Só tome muuuuito cuidado com as pimentas. No México passei indescritíveis apuros por causa dela. No Viva México não é muito diferente. Quem tem gastrite ou outros problemas vasculares mais ao sul, é prudente evitar. Mas como diz o velho adágio, passarinho que come pedra.....
Para beber, algumas boas cervejas mexicanas como por exemplo a excelente “Dos Équis” (dois X), minha preferida, e as margaritas (marGUErita é pizza pô!!!), frozen ou tradicional. Para os mais corajosos, boas tequilas e mezcal, mas isso é bebida pra gente grande, sem filhos e sem apego à vida.
De vez em quando aparece por lá um trio de mariachis, todos com a inconfundível cara de bolivianos ou peruanos. Evite também. É muito ruim e nem de longe parecida com a verdadeira música mexicana. Isso porque existem poucos mexicanos de verdade no Brasil. Eles preferem se aventurar na fronteira mais ao norte e, invariavelmente, se dão muito mal. Como disse o político Porfírio Diaz, “pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”!
Para quem já conhece e gosta de comida mexicana, o Viva México é “o” lugar. Para quem nunca se aventurou, também. Mas repito o alerta. Tenha sempre em mente a frase do sábio brasileiro Érico Veríssimo que diz que “a alma mexicana pode comparar-se a uma lavoura de milho de aparência tranqüila. Mas cuidado, forasteiro! A qualquer momento a roça pode explodir num vulcão sem aviso prévio e toda a contida e ardente lava brotará com fúria mudando por completo, em poucos minutos, a paisagem em torno”. Por “ardente lava” entenda-se “pimenta”!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

TALAGADA CARNÍVORA.


VILMAAAAAAA...

Quem não se lembra? Na abertura do desenho animado “Os Flintstones” Fred tira o tigre dente de sabre de dentro de casa. Logo após é o tigre quem o expulsa e ele fica do lado de fora batendo na porta e gritando “VILMAAAA”! A imortal criação de Hanna e Barbera embalou as tardes de muito marmanjo. Incluindo euzinho. Sempre quis ter um dinossauro de estimação, ou um carro com propulsão de sola de pé. Uma vez até tive um. Era um fusca tão enferrujado que quase fica sem o piso.
Sonhei muitas vezes com os filés de brontossauro que Fred e Barney devoravam e este sonho também se concretizou no dia em que encontrei alguma coisa bem parecida. Evidentemente foi no Sujinho – Bisteca D´Ouro (Rua da Consolação, 2038). Um barzão na fulgurante esquina da Consolação com a Rua Maceió.
A história do Sujinho é pouco conhecida. Não se sabe exatamente se nos anos 60 ou 70, era um simples boteco ao lado do Teatro Record, que, de repente, começou a servir algumas refeições. Os apelidos da espelunca pegaram. Sujinho, por motivos óbvios (quem o conheceu nessa época sabe o porque) ou o sub-apelido “Bar das Putas”, numa singela homenagem às corajosas moças de vida fácil (hãhã!) que faziam o “trottoir” nas redondezas, perto do Cemitério da Consolação ou na famosa “casa da luz vermelha” da “Tia Olga” (lugar preferido de 11 entre 10  adolescentes da época).
O filé de brontossauro ao qual me referi acima era uma bisteca bovina gigante, de 700 gramas de carne suculenta e osso, que até hoje é o carro chefe da casa e necessita de dois garçons para trazê-la à mesa. A simples visão da imensa iguaria causa um inesquecível impacto e já satisfaz. Quantas madrugadas, pós aventuras e desventuras, fui até lá matar a fome antes do sono dos justos! Uma bisteca e a saladinha de repolho! É tudo o que um homem necessita depois das 3 da manhã! Certa vez o estado alcoólico era tão desesperador que adormeci sobre a bisteca, certamente achando que era o melhor travesseiro de pena de ganso com cheiro de churrasco do mundo!
O fato é que nos anos 80 o boteco, nas mãos de novos donos portugueses, se popularizou. Nos anos seguintes uma extensa reforma transformou-o num lugar um pouco mais apresentável e duas outras filiais foram inauguradas. Mas o Sujinho (que acabou se apropriando do apelido transformando-o em nome oficial) continua tendo uma indisfarçável vocação para a madrugada. Continua sendo um destino seguro para os boêmios esfomeados de plantão!
Além da bisteca já descrita a grelha do boteco ainda produz algumas outras maravilhas. Picanha, cordeiro, espeto misto e um pintado na brasa dos deuses, tudo em tamanhos dinossáuricos, que fariam de Fred Flintstone o mais feliz dos neandertais. 
Mas liberte o T. Rex que existe dentro de você e ataque de bisteca, pelo menos na primeira visita. Acredite, se eu fizesse uma lista chamada “100 pratos para devorar antes de morrer” a bisteca do Sujinho figuraria em 7º, talvez 6º lugar.
Para bebericar, as cervejas nacionais de sempre em garrafas grandes. Não me lembro de muita coisa mais porque sempre estive lá na alta madrugada, em condições que não me permitiam beber um gole sequer.
Para finalizar, volto ao assunto da reforma. Sim, o bar ficou bem mais agradável e ganhou um andar de cima. Virou um Sujinho arrumadinho. Mas sou obrigado a professar a minha inevitável admiração pelo boteco pé-sujo. O Sujinho já foi um pé-sujo autêntico, com azulejos de péssimo gosto nas paredes, chão mais gorduroso do que cabelo de galã dos anos 30 e uma churrasqueira fumacenta na entrada, Saudade! Como disse Luiz Fernando Veríssimo, boteco bom é aquele onde os ratos usam máscaras cirúrgicas e as baratas fazem passeata na porta contra as péssimas condições de higiene!